A partida - BVIW
Pavel Svodoba fez um grande esforço para se levantar e ir até à janela olhar o Vltava uma última vez. Sabia que não teria o consolo de admirar a beleza de sua amada Praga por muito mais tempo. Sorveu o ar frio do começo do outono, observou com saudade as pessoas apressadas, já embrulhadas em seus cachecóis sob o céu acinzentado prenunciando chuva. Como se sentia só! Seus companheiros sempre tinham sido os personagens. Homens e mulheres fictícios, com um pé na imaginação e outro na realidade que roubava dos bares, das livrarias, dos teatros e de outros lugares mais ou menos sórdidos que frequentava. Perdera amigos e amores na sua ânsia de retratá-los e não se prender a ninguém. Ao lado da cama, os livros que publicara. Coroando a pilha estava o último, uma coletânea de contos que recebera o prêmio Franz Kafka, a maior honraria literária do país. Apesar do vento que entrava pela janela escancarada, o ar lhe faltou. Apertou o roupão à volta do corpo, os joelhos fraquejando, o coração parecia bater cada vez mais devagar. De todas as histórias que escrevera, somente essa ficara faltando. A única história impossível de ser escrita com base em uma realidade vivida, experimentada. Mas agora, sentia-se pronto. O seu último conto só seria lido por ele, e por ninguém mais.