Foi boto sinhá

Dizia minha avó, que lá em Paricatuba, interior do Pará não se devia brincar as margens do rio. Ela contava:

- Certa vez de montaria, descia a remar no rio Paricatuba, prá voltar a casa de Chindó. E lá chegando, notei a lua boêmia repicando entre os açaizais e aquela palafita de palha de buçu solitária sobre o rio, a escrever, qualquer coisa com o silêncio, que ali , com a noite harmonizava.

Amarrei o meu batelo no trapiche e subindo os degraus da escada fui apanhada por um grito, que veio da casa de minha sobrinha Emília, que ficava ao fundo.

- O Lourenço, meu irmão, que estava pescando do outro lado, ao ouvir o furdunço veio também, as pressas remando em sua montaria.

-No fundo do quintal da família, o rio Paricatuba fazia um afluente, cujo outeiro sombreado por uma mangueira e um taperebazeiro servia de guarida para os botos rosa e cinzento fazerem suas esbornias.

Naquela noite enluarada, açucena parecia bailar na sua escuridão apensada em nada, enquanto os vaga-lumes escreviam solidão na escuridão das árvores.

A ordem era de ninguém sair pra buscar água, quando houvesse luar, porém Dolores, filha da cumadre Carmita teimou e do trapiche naquela noite não voltou.

Quando Lourenço chegou perguntou:

- Mana, o que aconteceu?...Filha. Se referindo a Emília. Por que você gritou?...

E ela então revelou:

- Dolores aquela teimosa. Falei pra mum i buscar água, por causa du boto. Mas ela teimou.

- Quando vi aquele homi de chapéu e roupa toda branca, mundiando... dançado ao redor da piquena. Corri com a vassura, mas ele a puxou pro fundo du rio. E ela tonta se foi. Por isso grite.

Então, depois que ela relatou o visto. Eu e o mano jogamos alho no rio, pegamos terçado, um candeeiro e fomos remando até o outeiro, onde ouvíamos a algazarra deles, gritos em coro harmonizando um canto enebriante, como se tivessem em festa de sonho. Cada um com sua veste mais prata do que o outro. A mãe d água linda, toda florida rodopiava numa dança, cujo perfume tomava de conta do ar. Tudo serenava com os sapos coaxando e os grilos a garritar.

No que se aproximava a canoa, eles começaram a abandonar aquela alegria, cada um procurou um lugar e aos poucos foram pulando. Um a um sumindo dentro da água escura.

Com o candeeiro de manga longa avistemo Dolores atordoada e já bulinada, toda enfeitada de folhas e flores, cheirando a patchouli, abandonada ao pé da mangueira.

Lourenço negro forte e alto a carregou no colo sem exitar. Como uma pluma de Guará.

Vortemos remo a remo, com os botos ao redor se pondo a ladainhar.

Quando cheguemos, Emília estava no porto com Manjó, marido da Morena e ele ajudó nóis.

Quando cumadre Carmita beirou o girau perguntando pela filha, Lourenço não se esquivou e disse:

- Cumadre sua filha foi encantada por um boto.

Disse então ela, pensando ser piada do Lourenço:

-Vixe Maria, Lourenço. Tu tá doido.Diga isso não. Nem por brincadeira.

Mas o que parecia ser pilhera, era de fato realidade.

E naquela mesma noite o boto foi a casa de cumadre Carmita e levou Dolores, que sumiu a deixar saudades .