Amor legislado

Era a segunda audiência para a guarda do nosso filho Bóris. Desde a separação Tunico teima em buscá-lo na minha casa a hora que quer e entrega também a hora que quer. Entendo que a rotina é importante e Tunico tem que se disciplinar, não pode buscar nosso bebê todos os dias ou sumir para viajar sem avisar por dez, doze dias. Bóris não sabe contar os dias, mas sente as ausências prolongadas. Em um destes sumiços, ficou sem comer uns três dias, deitadinho na sua cama, amuado e uma vez que fui lhe dar agua na mamadeira, percebi seus olhinhos cheios de lágrima. Ele adoece de saudades, Quando reclamei, Tunico me disse para eu deixa-lo levar nosso bebê para viajar todas as vezes que ele precisar .

— Sei cuidar dele muito bem, melhor do que você que o sufoca com tantos banhos, roupas, comidinhas. Ele não gosta de tanto cuidado, gosta é de passear.

—Mas não gosta de ficar sozinho. Se você o leva para sua casa é para ficar com ele o tempo todo e não para deixar com outras pessoas em quartos de hotéis. Desta cidade ele não sai com você de jeito nenhum. Temos também a questão dos gastos financeiros. Ele é tanto seu filho como meu e você precisa me ajudar. Não tive filho sozinha, foi uma decisão nossa então é justo que você me ajude nas despesas. Ele tem um pai e não é só para visitar. Temos gastos de alimentação, saúde, lazer e muitas coisas mais que não eu não posso assumir sozinha. Desde que você saiu de casa, para não deixá-lo muito tempo sozinho, sair do escritório e trabalho de home office. Meus clientes diminuíram muito. Parece que as pessoas não têm dinheiro para construir. Sem casas novas, sem projetos para eu fazer.

— Se não consegue pagar as contas do seu filho, abre mão da guarda que eu crio, sustento e vamos ficar bem.

— Você é um monstro mesmo né ? Como quer que eu te dê meu filho para criar. Você enlouqueceu? Porque acha que eu ficaria sem ele? Só pelo dinheiro?

— Então vai trabalhar e para de me encher o saco. Eu fico com ele, cuido e você pode vê-lo a hora que quiser. Prometo não te cobrar nada, não te ligar pela madrugada chorando cada vez que ele dá um espirro e minha casa estará aberta para você ir vê-lo quando quiser, sem dias e horas marcadas.

— Você vai deixá-lo sozinho. Tenho certeza. Seu prazer é trabalhar. Por que você quer ficar com o Bóris? Você só sabe trabalhar. É a sua paixão, trabalhar, trabalhar, Como vai olhar nosso bebê?

— Fico com ele para ter paz. Para você parar de me encher o saco. Saí de casa para ficar livre das suas queixas e choro, mas piorou. Não tem um dia que você não me liga umas quatro vezes pelo menos para falar de Bóris. No fundo você continua querendo controlar minha vida e usa o Bóris para fazer isto. Chega, eu não aguento mais. Não te amo, não te quero, para de controlar minha vida. Passa a guarda do Bóris para mim e vai trabalhar namorar, sair, divertir. Vai viver Ana. Não é só o Bóris que existe neste mundo. Ele também deve estar doido para te ver pelas costas.

Andamos em círculo nas negociações para a guarda do nosso bebê . Não tem conversa. Cansei e entrei com uma ação pedindo a guarda do Bóris, regulamentação de pensão e dias de visita. Preciso das coisas definidas. Na primeira audiência o juiz tentou um acordo. Não teve como. Tunico queria a guarda definitiva do Bóris e eu não quis, claro. Este acordo nunca será firmado entre nós. Agora estou me preparando para ouvir a sentença do Juiz.

Foram dois dias de audiência em que só houve brigas. Eu e Tunico fincamos o pé nas nossas reivindicações e não teve jeito.

Agora é esperar. Enquanto espero lembro de como fomos felizes no início, quando Bóris chegou e ocupava toda a nossa vida e espaço. Nunca mais dormimos sozinhos e nem saímos ou viajamos. Passamos a ser três em tudo. Família não é assim? Minhas amigas dizem que sou neurótica, que o Bóris foi a razão da minha separação, que eu preciso saber separar os espaços e dividir meu tempo, que eu não vivo desde que Bóris chegou. Me arrumam terapeutas e psiquiatras que eu nunca vou. Eu não preciso. Para minha vida ser perfeita, preciso de Tunico e do Bóris. Só isto me basta. Nem emprego, família, amigos, nada disto me faz feliz. Só os dois juntos me preenche e completa... O Juiz chamou, vão ler a sentença.

— ..... Esta tribunal, liderado pelo Juiz Manoel de Castro Ribeiro decide que a guarda do gato Bóris será compartilhada pelo casal da seguinte forma: alternadamente, um mês estará sobre a responsabilidade de Ana Lúcia Martins da Silva e o outro mês sob a guarda de Antônio Sérgio Fonseca. As despesas do gato Bóris serão de responsabilidade do tutor que estiver com ele no período. É vetado às partes tentar contato ou forçar visita no período em que o gato estiver com a outra parte. Essa decisão pode ser revista em seis meses, se for da vontade de um dos tutores. A sentença será cumprida a partir de amanhã dia 03 de Maio de 2018. A Sra. Ana Lúcia deve entregar o animal na casa do Sr. Antônio até às 10 hs de amanhã e a troca da tutela será feita todo o dia três de cada mês. Tenham uma boa tarde!

O dia três de Maio passou e Ana não entregou Bóris para Tunico. Depois da audiência, Ana não ligou e nem tentou nenhuma aproximação com o ex-marido.

— Eu sabia que isto ia acontecer. Ana é tão previsível. Ela nunca me traria o Bóris. Mas agora estou protegido das suas loucuras. Ela não me incomodará nem um dia. Acabou!

Márcia Cris Almeida

26/02/2024