Juízo

Numa manhã fria, Carlos, um homem de apenas 34 anos, mas pesado de experiências vividas, despertou com os primeiros fios de luz que entravam por entre as cortinas de seu quarto modesto. Como tantas vezes antes, preparou-se para enfrentar o mundo exterior e pilotou sua moto com a rotineira pressa e imprudência.

Correndo pelas ruas da cidade como um corcel desgovernado, Carlos avistou uma van, mas não esperava que ela parasse repentinamente. Ele tentou desviar, mas foi tarde demais. O impacto foi inevitável, e sua cabeça, mesmo com o capacete, encontrou-se com a dureza do metal.

Carlos foi levado para o hospital e para além dos portões do mundo consciente, adentrando o domínio nebuloso dos sonhos e das sombras. Um jovem enfermeiro cristão, vendo que ninguém ia visita-lo, resolveu orar por ele. A cada alvorecer, o jovem adentrava o quarto silencioso, onde Carlos repousava como uma estátua esquecida, e ali, de joelhos junto à cama, erguia preces a Deus.

- Oh, Senhor, que estás no alto dos céus e no íntimo de cada coração, derrama tua graça sobre este teu servo Carlos. Concede-lhe a luz que dispersa as trevas do desconhecido e guia seus passos de volta à vida. Que tua mão compassiva o toque e o erga deste leito de sombras, para que ele possa testemunhar tua misericórdia e proclamar teus feitos entre os vivos. Em nome de Jesus, amém.

Dia após dia, as preces ecoaram na quietude do quarto, como o suave murmúrio de um riacho nas noites tranquilas. E um dia, por um milagre que transcende a compreensão humana, Carlos despertou do sono profundo e seus olhos lentamente se abriram para a luz do mundo.

Os médicos, atônitos diante do que parecia ser impossível, testemunharam sua recuperação sem sequelas, como se a mão invisível do divino tivesse tecido nova vida a partir dos fios frágeis da existência. E assim, com a clareza que acompanha os momentos de renascimento, Carlos recordou das orações que o acompanharam em sua jornada de sombras.

Fora do hospital e decidido a trilhar um novo caminho, Carlos buscou refúgio nos braços da fé. Em uma igreja humilde, encontrou abrigo para sua alma cansada, e ali, nas águas do batismo, lavou-se das impurezas do passado, emergindo como um filho pródigo retornando ao lar.

Mas a jornada de redenção não se limitou às paredes sagradas da igreja. Em uma noite de oração e reflexão profunda, Carlos revisitou as memórias de sua vida, as sombras que havia deixado para trás e os espinhos que cravara no coração daqueles que amava.

Com o coração pesaroso, dirigiu-se à morada de sua mãe, onde os fantasmas do passado aguardavam ansiosamente por uma reconciliação há muito adiada. Ali, diante dela, as palavras fluíram como água de um rio represado, lavando as feridas antigas e nutrindo a terra árida do amor perdido.

Munido de coragem e humildade, Carlos prosseguiu em sua jornada de reconciliação. Visitou o local onde estudou e lembrou-se das grandes brincadeiras idiotas que fez, dos desrespeitosos comportamentos com os professores, ameaças aos colegas, as drogas usadas e vendidas no recreio e a maldade que fez com todos. Com passos hesitantes, adentrou a diretoria, onde o novo diretor o recebeu com sorriso afável e desconfiado.

- Vocês guardam o histórico dos alunos, não é?

- Sim, senhor Carlos.

- Posso ver os meus?

- Claro!

Ali, entre os arquivos poeirentos da história passada, encontraram-se os registros de suas faltas e deslizes, testemunhas mudas de um tempo que não pode ser desfeito. Carlos reencontrou alguns de seus antigos professores e com lágrimas pediu perdão. Juntos, compartilharam risos e lágrimas, como irmãos perdidos encontrando-se ao final de uma longa jornada.

Com o coração mais leve e a alma renovada, Carlos foi aos aposentos do pastor e pediu permissão para pregar um sermão. O pastor concordou e púlpito o recebeu como um altar de verdades reveladas. Com a voz embargada pela emoção e os olhos voltados para os irmãos sentados, Carlos proferiu um sermão sobre o juízo divino e a misericórdia redentora.

- Meus irmãos e irmãs, que escutais as palavras do Senhor, vinde e ouvi a história de um homem que percorreu os vales sombrios da vida e encontrou a luz da salvação. Pois assim como eu, que outrora vagueei perdido nas sendas do pecado e da transgressão, encontrei o caminho da redenção através da graça divina. Que cada um de vós se lembre: não importa quão profundo seja o abismo que nos separa do amor do Pai, sempre há uma ponte estendida sobre as águas tumultuosas do arrependimento. Que possamos encontrar em nossos corações a coragem para reconhecer nossos erros, buscar o perdão daqueles a quem ferimos e abraçar a luz que nos conduz de volta ao lar celestial. Pois o juízo do Senhor é justo, mas sua misericórdia é infinita. Que possamos todos nós encontrar em seus braços acolhedores o refúgio e a paz que tanto buscamos. Em nome de Jesus, amém.

Erich Noronha
Enviado por Erich Noronha em 25/02/2024
Reeditado em 25/02/2024
Código do texto: T8007004
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