Encontro predestinado

 

ENCONTRO PREDESTINADO

Miguel Carqueija

 

Maria adentrou na oficina, olhou em volta e indagou:

— José, onde está o nosso filho?

— Ele já estava cansado, eu o mandei descansar um pouco lá fora. Ele foi jogar algumas migalhas de pão aos pássaros.

Realmente, da janela Maria pôde ver o menino mais embaixo, na descida da colina, sentado nas pedras e com as avezinhas ao seu redor, pegando as migalhas. O pão da família não era tanto assim, porém Maria não censurou o esposo por ter consentido na generosidade ou na interrupção do trabalho. Afinal, Jesus ainda era uma criança e não podia trabalhar como um adulto. Era razoável que brincasse um pouco. Além disso, era uma coisa tão bonita alimentar as aves do céu!

Maria então afastou-se da janela para trocar algumas ideias com José, por isso não viu o que sucedeu em seguida.

Sentado numa pedra maior, o Menino Jesus achava-se rodeado de rouxinóis e outros passarinhos que haviam feito uma pequena festa.

— Se eu tivesse mais lhes daria... apesar...

De uma pequena migalha de pão ele foi tirando outras, mas logo os passarinhos se saciaram e foram embora com pios de gratidão. Então Jesus olhou para uma moita próxima e falou:

— Não precisa ficar aí escondida na sarça. Chegue até aqui!

De trás do arbusto surgiu uma menina de cabelos bem negros e talvez a mesma idade de Jesus, ou talvez um pouco menos. Uma vez descoberta ela não se fez de rogada e se acercou depressa do menino.

— Como me descobriu?

— Foi fácil, você mexeu os ramos. Quem é você?

— Eu sou Maria, nasci em Magdala.

— E o que faz aqui?

— Meus pais estão passando uns dias em Nazaré, temos parentes por aqui. E você como se chama?

— Meu nome é Jesus.

— Jesus, que bonito nome. E como você fez aquilo?

— O que eu fiz?

A garota sentara em frente a ele.

— Atraiu aquelas aves, parece que já te conheciam.

— Não fiz nada demais. Elas sentem fome — respondeu ele, sorrindo.

— Pois ninguém diria, sabe? Eu queria ter esse dom. As avezinhas fogem de mim.

— Você o terá, a partir de hoje.

— Não brinque comigo! Você mora por aqui mesmo, não é?

— Lá em cima... — indicou a colina — moro com meus pais.

— Só vocês três?

— Temos um burrico também, que já está conosco há muito tempo.

— Que interessante. Eu posso conhecer o seu burrinho?

— Eu apreciaria mostrar o Pequenino a você, mas a sua mãe vai chamá-la a qualquer momento...

— Como é que você sabe?

— Com certeza você não veio aqui sozinha.

— É verdade. Você é inteligente.

— E você, eu sei que é uma boa pessoa.

— Verdade? Na verdade eu não me acho assim. Às vezes eu sinto que há coisas más dentro de mim... faço artes que não devia fazer... e mamãe e papai dizem que desse jeito eu não vou dar para boa coisa. O que você acha?

— Não há nada de errado em você, que você não possa corrigir se confiar em Deus — respondeu ele, sorrindo.

— Você fala coisas tão bonitas, Jesus! Como aprendeu?

Mas, antes que Jesus respondesse, uma figura feminina adulta apareceu mais adiante, perto de umas tamareiras, e gritou:

—Maria! Venha cá, nós estamos indo!

A menina se ergueu:

— Tenho que ir, mamãe está chamando. Só viemos fazer umas compras naquele mercadinho...

Jesus também se ergueu e segurou por rápidos instantes a mão direita de Maria Madalena (isto é, de Magdala):

— Vá em paz, e o Pai te abençoe.

— Obrigada. Fique em paz também, Jesus.

Ela deu as costas e correu. Jesus ainda disse:

— Nós nos veremos de novo um dia!

— É mesmo?

— Tenho certeza. Espere e verá!

— Você é estranho. Mas suas mãos são quentes. Gostei de te conhecer!

Ela voltou a correr e dessa vez não se deteve.

Jesus então retornou à oficina. Antes porém encontrou sua mãe, que de longe observara o fim da cena:

— Quem é ela, meu filho? Você a conhece?

— É a primeira vez que eu a vejo, mãe. Ela só estava de passagem e foi chamada pela mãe dela.

— Sim, eu vi. Pareceu-me uma menina de boa educação.

— É verdade, mamãe, e ela também se chama Maria.

— O meu nome! Que coincidência...

— Um dia seu nome será o mais comum do mundo, mãe.

Maria sorriu e, pondo delicadamente a mão no ombro de seu filho, conduziu-o de volta à oficina.

Seu nome... Maria... era um nome muito usado, mas daí a se tornar o mais comum do mundo? Mas, Maria nunca fazia pouco do que dizia o seu Filho. Ela guardava as suas palavras no coração.

 

Rio de Janeiro, 20 a 24 de dezembro de 2023.

 

 

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Miguel Carqueija
Enviado por Miguel Carqueija em 25/02/2024
Código do texto: T8006614
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