Quando Jackson viu Danila pela primeira vez, ela lia poemas para matar o tempo na fila do Santander. Assim que reparou no charme dela, ele quis se aproximar, puxar assunto. Mas como se a moça estava mergulhada nas letras miudinhas, que ele enxergava por cima dos ombros dela? Amar se Aprende Amando, de Drummond, era o que ela lia. Romântica, o moço deduziu, e resolveu arriscar:
— Já li! — ele disse sem titubear. — Era mentira. Jackson nem suspeitava do que pudesse se tratar. Mas para chamar a atenção da bela valia qualquer mentira. O risco surtiu efeito. Ela se voltou de imediato e olhou-o, curiosa. A ideia de alguém ter lido o que ela lia encurtava distância, gerava um clima cúmplice.
Dois anos depois, Danila olhava pensativa os livros enfileirados na estante do corredor. Lembrou-se de Jackson e do amor meteórico, que a enredara numa trama ignóbil. Ele era um pilantra oportunista: tinha levado suas joias, falsificado sua rubrica, rapado sua conta no Santander. Mas de todos os prejuízos, o pior fora o roubo de Amar se Aprende Amando, seu livro favorito, que ele usara como isca para ludibriá-la — e nem sequer tinha lido, como lhe confessara mais tarde, o miserável. Aquela mentira infame, ela jamais perdoaria.
Tema da Semana: criação a partir do trecho de música: "Devolva o Neruda que você me tomou/ E nunca leu".