A de Abismo

Meu estômago estava me matando. Como já vinha tentando me matar desde uns três meses atrás.

Eu era despreocupado demais com minha saúde pra me preocupar, até que a coisa começou a ficar realmente irritante. Então eu tinha tido coragem e marcado um médico.

A consulta seria dali a alguns dias, mas a dor não diminuiu por causa do meu recente lapso de responsabilidade. E talvez minha ansiedade só tivesse aumentado.

Engoli um antiácido e a dor foi cedendo aos poucos, até que finalmente passou.

Fiquei deitado na minha cama, de barriga pra cima, com os olhos cravados no teto.

Podia ser assim com outros tipos de dores... ou incômodos.

Podíamos engolir uma pílula e pronto. Problema resolvido... Ou pelo menos atenuado. Mas não era exatamente assim que as coisas funcionavam.

Minhas angústias me incomodavam mais do que qualquer úlcera gástrica que eu pudesse ter.

Enfim.

Era um sábado bem quente. Quase fora do comum pra época.

O ventilador mal fazia diferença quanto ao calor. Servia apenas para afastar os mosquitos e pra colocar o ar em movimento.

Era tarde demais pra sair. Pelo menos pra qualquer lugar legal que ainda estivesse aberto.

Resolvi ficar em casa e enfrentar o calor junto com meus pensamentos.

Então o telefone acendeu.

Peguei nas minhas mãos e olhei a mensagem que tinha acabado de chegar.

Era Alice.

• Oi. Você está em casa?

• Estou – Respondi.

• Preciso te dizer uma coisa. Quero te ver.

Pensei um pouco antes de responder. Ela nunca era direta a respeito de nada que queria. Aquilo tinha que significar algo diferente. Mas sem conseguir bem o que pensar, eu respondi.

• Pode vir.

• Ok. - Ela respondeu.

Alice chegou em meia hora. Desceu de um mototaxi e veio até a minha porta.

Eu abri e ela entrou. Foi direto até o quarto e se sentou na minha cama.

Percebi que ela não estava sóbria. E talvez estivesse além da capacidade de fazer um bom julgamento de qualquer coisa séria.

• Quer água? - perguntei.

• Não... Só quero me deitar. - Ela falou, já se espalhando na cama.

Me encostei do seu lado da cama e ela abriu um sorriso. Como se tudo estivesse ok.

Dentro de mim não estava. Parte por razão dela, parte não.

Ela se virou por cima de mim e me beijou. E eu correspondi. Da melhor e da pior forma que eu podia. Eu fechei os olhos e quis pensar que estava tudo certo. Que estaria tudo certo amanhã.

Mesmo sabendo que era improvável.

Tiramos a roupa,

Eu hesitei alguns segundos antes de começar.

Eu sabia que era tudo premeditado. Não exatamente por ela. Mas pela parte que eu sabia que ela tinha, que só tomava as decisões quando estava em estados pouco racionais.

Essa era a parte dela que realmente me queria. A outra parte, sabe Deus o que pensava.

Alice me puxou pra perto e enfim eu estava perdido novamente.

Cada golpe que eu dava. Cada estocada. Cada vez que puxava os seus cabelos, eu tentava provar pra mim mesmo que eu estava no controle daquela situação.

Pode até soar como uma piada. Ou algum tipo de ironia. Mas de alguma forma, aquilo me dava um certo tipo de tesão meio doentio. Enquanto eu apertava a sua nuca, forçando o seu rosto contra a cama, eu sentia que podia me afogar no som dos gemidos e sussurros dela. Podia enlouquecer num momento como aquele. Ela parecia a mais sensata das minhas loucuras. O meu caso mais perdido. O texto que eu nunca pude terminar... A gota d’agua numa situação insustentável. Eu mal sabia descrever o que estava acontecendo nas nossas vidas. Mas estava ali de novo e de novo naquelas teias.

Mas terminamos. E eu acabei ofegante do lado dela. Enquanto Alice sorria. Um sorriso vitorioso e despreocupado.

Quebrando o silêncio eu falei, finalmente.

• O que você tinha pra me dizer?

• Nada.

• Sério?

• Não tenho nada pra te dizer.

• Não foi o que você falou antes.

Ela ficou calada e eu senti algo me comendo por dentro. E logo comecei a despejar tudo o que eu sentia e pensava.

O sorriso desapareceu do rosto dela. E Alice acendeu um cigarro. Depois outro.

Eu já não tinha mais o que dizer, e me afundei novamente nos meus pensamentos.

Se eu a matava com minhas palavras, Alice me matava com o silêncio.

• Tudo bem. - Eu disse finalmente.

• Tudo bem o que?

• Não importa. Não me importo mais.

• Ok. - Ela murmurou.

• Ok...

• Eu vou embora.

• Eu sou o que pra você, Alice? Algum tipo de erro?

• Talvez. Talvez eu tenha errado em vir aqui.

Fiquei sem responder nada, e me recostei na cama de barriga pra cima. Enquanto ela fingia juntar as coisas, bem do meu lado.

Segurei a mão de Alice, e ela tentou se afastar. Mas logo cedeu.

Ficamos ali, de mãos dadas por um tempo, até que eu fiquei por cima dela, tentando olhar diretamente nos seus olhos. Ela virou o rosto mas abriu as pernas.

Eu sabia o que aquilo significava.

Caí no abismo escuro do amor dela. Pensando na luz no fim do túnel. Pensando no prazer e na dor. No gosto salgado, no suor, no calor...

Talvez nunca fôssemos sair daquele lugar,

Mas eu podia passar muito tempo ainda, lá no fundo, mergulhado dentro dela.

Pelo menos enquanto me restasse algum chão,

ou algum espaço para respirar.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 18/02/2024
Código do texto: T8001404
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.