A casa

Todos tinham motivo para querer e não querer a casa. A casa era grande, ficava no segundo andar e dava vista para um campo distante, onde jogavam futebol aos domingos. Era uma casa de quatro quartos, dois banheiros, uma sala ampla, tudo que eles não tinham, quando comparada com a casinha pequena em que viviam, que tinha só o quarto do casal, o quarto pequeno de Claudinho, uma cozinha, um banheiro, em cima do qual tinha uma caixa d’água. Era uma casa de forro, e quando chovia forte, com trovões e relâmpagos, oferecia uns estalos esquisitos, que deixavam Lenira com um medo de explosão, que não deixava transparecer para o filho, de 10 anos. A nova casa era tudo que queriam, mas tudo que queriam também era ficar perto dos vizinhos, que gostavam deles, que iam assistir à novela de noite, pois eles tinham comprado uma televisão novinha. Tudo que gostavam mesmo era de visitar as tias, que moravam perto, acompanhavam Claudinho, lhe enchiam de mimos. Vovô também vivia por perto e era bom ir lá e ver o velho na cadeira de balanço, às vezes triste, por causa da tosse, mas sempre com olhar de amor. E um dia Honorato chegou com aquela ideia de casa nova, de morarem algum tempo na casa da estação. Ele, na verdade, não queria, mas sabia dos sonhos da mulher. Aquela, sim, pensava só no filho e no conforto dele. Não era luxo pra ela, não! Não seria uma morada definitiva. Honorato tinha sido promovido a agente-chefe da estação e tinha direito a morar na casa. Não seria por muito tempo, porque, dizia-se, a estação seria desativada e ele, certamente, teria de ir pra outro lugar, quem sabe deixando a família. Ocorreu que o antigo agente, já aposentado, não desocupava a casa. E Honorato tinha afeição por ele. Não ia cobrar lugar. Ficava então aguardando o dia em que o Othon ia sair. E a rede ferroviária não mandara comunicação. Era a primeira vez que isso acontecia. Parece que os chefes deixaram pra Othon e Honorato decidirem. E nada de uma decisão. Era preciso reclamar, pedir oficialmente, dizia Lenira, não por ela, pelo menino. E era verdade! Não eram ambiciosos. O que ela pensava era morar por lá o tempo que pudesse e alugar a casinha onde viviam e assim ajuntar um pouco mais para a educação de Claudinho. E o tempo que passava diminuía o tempo de permanência na futura casa, e aumentava a indecisão da mulher, do marido, do filho… Mas há coisas que não podem ficar assim, na eterna procrastinação. É preciso aliviar a alma, os anseios. Reuniram-se os três e decidiram que Honorato iria formalizar o pedido. Era urgente… Honorato rascunhou a solicitação, leu pra mulher e pro menino e recebeu um aprovado sem muita empolgação. Estava batido o martelo. Levou pra estação. Trabalhava. Trabalhava. E nada de protocolar! Quando via o Othon, descendo de banho tomado e calva brilhante, sentia-se um traidor. Passaram-se dias e nada dele encaminhar. Certa manhã, chega à estação decidido, não podia trair a mulher e o menino. Não podia trair a si mesmo. De repente, ouve uma confusão que vinha de cima. Desespero, gritos, choros. Othon tinha morrido. Honorato não quis se mudar para a casa do morto. Cinco meses depois, a estação foi desativada. A casa virou museu ferroviário. Honorato e Lenira nunca entraram lá.