FOI O VENTO
POR: Sônia Machado
CAPÍTULO 8
DEPOIS DE RECONSTITUIR PEDAÇOS DE SEU PASSADO diante do palacete, Sr. Lopes entrou no Land Rover Ranger e ordenou ao motorista que seguisse em frente. Pelo menos ali, a imagem de Leonor não tinha sido real como na casa da Rua Tonelero, embora também o tivesse atormentado. Talvez ele não estivesse totalmente demente. Quem sabe a demência fosse algo que ia e vinha.
Mas enquanto isso ele tinha uma reunião de negócios e a vida, como sempre, precisava seguir, não importava os fantasmas que decidiram atormentá-lo.
Quando atravessou a porta de vidro da Andrade Empreendimentos & Arquitetura, Sr. Lopes estava decidido a resolver de vez, pelo menos o problema da alucinação que tivera na casa da Rua Tonelero.
—Sr. Lopes... — Mário, o assistente de Arthur se adiantou para recebê-lo apertando formalmente suas mãos.— Estávamos aguardando o senhor.
— Prazer em recebê-lo. —Arthur também se adiantou com a sensação de que os negócios com aquele senhor não iam ser dos melhores. A razão dessa sensação foi aquele ar de superioridade que emanava de cada movimento e cada olhar.
—Vamos logo ao que interessa. —Sr. Lopes foi logo dizendo e, ao mesmo tempo, tentando descobrir como iriam falar de um projeto ali no meio de tanta gente. Porém, suspirou aliviado quando Arthur o convidou a segui-lo até uma ampla sala, cuja discrição seria apenas com relação ao som, uma vez que possuía a parte frontal toda de vidro e era possível observar tudo lá dentro.
Apenas as paredes laterais eram revestidas com madeira de demolição, uma madeira de textura natural com aspecto envelhecido, mas ao mesmo tempo contemporâneo, que trazia naturalidade e elegância ao ambiente. Uma dessas paredes ostentava um painel enorme que, nada mais era que uma fotografia de prédios de São Paulo, clicados de baixo para cima e editados em preto e branco e alguns toques de sépia em uma das extremidades. A perspectiva da imagem parecia dar novas interpretações às formas geométricas, como por exemplo, a sensação de que os prédios ficavam mais próximos uns dos outros lá no alto, e quase se encostando às nuvens. De fato era um quadro que chamava a atenção pela visão artística que o fotógrafo tivera, pois, até mesmo Sr. Lopes se demorou diante dele, deixando claro que, o que importa na arte é o pensamento que ela provoca.
A outra parede também revestida de madeira ficava em um ambiente mais elevado e trazia, alinhada mais à esquerda, uma enorme lousa digital interativa com computador integrado, onde era possível tanto escrever quanto reproduzir vídeos, fazer apresentações interativas e outras coisas mais, como realizar sessão de bate-papo por vídeo e videoconferências.
Essa sala era um daqueles espaços de atividade focada que Arthur havia criado em seu escritório e que servia também às reuniões inusitadas ou formais. No entanto, Artur quis que a decoração desse a impressão de uma sala de estar. Por exemplo, logo abaixo do quadro que ficava em uma das paredes de madeira, ficava o sofá enorme de linho creme e designers retos e modernos. Na verdade, era um sofá de canto que ia até à metade da parede frontal de vidro. O sofá possuía mesinhas do mesmo material nas extremidades. Era onde ficavam as pilhas de revistas de arquitetura e decoração.
O contraste da sala ficava por conta de duas poltronas quadradas azul marinho sob a janela de vidro com persianas Rolô automatizadas, além de um tapete antiderrapante com detalhes geométricos em forma de triângulos azuis marinho, bege claro e escuro. Sobre o tapete, uma mesa de centro simples que mais parecia uma caixa de vidro e, sobre ela, uma escultura moderna e abstrata de bronze.
No piso mais elevado, do lado direto da lousa digital, ficava a mesa retangular com tampo de mármore preto, sendo que em um dos lados o mármore ia até o chão e do outro era sustentado por pés de serralheria simulando uma pequena grade. A cadeira giratória de couro e encosto alto completava esse espaço corporativo da sala.
Assim que Sr. Lopes observou toda a sala, preferiu se sentar em uma das poltronas perto da janela. Finalmente fixou o olhar com ares de dúvida em Arthur que aguardava paciente, no meio da sala, a avaliação ou crítica silenciosa do Sr. Lopes, enquanto Mário tamborilava os dedos no tampo de mármore da mesa como se estivesse ansioso.
Assim que Sr. Lopes se acomodou na poltrona sem se desgrudar de sua bengala de caminhada, Arthur e Mário se sentaram no enorme sofá. O ambiente parecia um pouco carregado de tensão, pois o Sr. Lopes parecia ter trazido consigo nuvens densas. Mas, Arthur ignorando essa sensação foi direto ao assunto, motivo daquela reunião.
— Bem, Sr. Lopes, Mário me adiantou que o Senhor pretende fazer um novo edifico ao lado do já existente aqui nessa rua. — As palavras de Arthur eram mais uma afirmação do que um questionamento.
Finalmente o Sr. Lopes se moveu de sua posição parecendo ficar mais a vontade na poltrona azul marinho.
—É verdade... —Respondeu ele com voz segura. — Quero aproveitar aquele espaço ao lado do edifício para novos apartamentos e fazer uma reforma aos já existentes nesse estilo que vocês chamam de minimalista.— disse com ares de cinismo ao mesmo tempo em que levantava a sua bengala e, com ela, formava coreografias no ar apontando as paredes de vidro em torno de si.
Arthur, sentindo-se um pouco incomodado, se remexeu no sofá e encontrou o olhar de Mário. Ambos concordavam que tinham diante de si uma pessoa difícil e prepotente.
—Sr. Lopes, tem certeza que pretende mesmo construir nesses padrões? Melhor repensar, pois tive a impressão de que não aprova esse estilo.
—De fato não aprovo muito. —Sr. Lopes respondeu com convicção relembrando a realeza de seu antigo palacete onde não havia um só lugar que não fosse revestido de relevos e arabescos. Até mesmo os vigamentos e os rodatetos.
—Mas também entendo que estamos em um mundo moderno... —disse, ainda relembrando o seu antigo palacete e seus tantos detalhes desnecessários à realidade atual.
— O Senhor está certo. — admitiu Arthur. —O estilo de arquitetura consumista não condiz muito com nossa realidade atual que prefere mais facilidades já que todos nós vivemos em um corre-corre.
—E sobre a reforma do edifício nesse estilo, seria possível? Quero modernizar o máximo possível, principalmente com relação a essas facilidades e seguranças tecnológicas.
—Tudo é possível Sr. Lopes, embora mais trabalhoso claro. Vou precisar ver o prédio, tirar fotos dos apartamentos para ver o que pode ser feito com relação à reforma. Aliás, uma dúvida sobre a construção do novo prédio: o espaço pelo que já percebi é pequeno. O que pretende afinal?
Sr. Lopes tossiu antes de responder.
— Quero construir desses apartamentos pequenos que chamam de Kitnet. Para estudantes, ou pessoas que vivem sozinhas e precisam de pouco espaço.
—Ah! Entendi... Muito bem então. —Arthur remexeu os dedos no tecido de lindo do sofá. —Esse tipo de apartamento é bem compacto, e tem geralmente apenas um cômodo que deve medir entre 15 m² a 50 m². Realmente possui um ótimo custo-benefício e é muito popular no mercado imobiliário, principalmente por garantir o aconchego de seus moradores.
—Justamente isso que pretendo. — Sr. Lopes concordou.
—Nesse caso... — Arthur se dirigiu a Mário — Prepare a lousa digital. Vamos mostrar ao Sr. Lopes alguns modelos de kitnets.
— Meu jovem... —Sr. Lopes tossiu mais uma vez antes de prosseguir — Tem outra questão importante que pretendo resolver.
— Sim... — Arthur desviou sua atenção de Mário para ouvir.
—A casa da Rua Tonelero... A que fica nos fundos onde pretendo construir o prédio... — O olhar do Sr. Lopes pareceu se perder num ponto qualquer. — Bem... Pretendo demolir para fazer uma espécie de área de lazer para o novo prédio. Uma academia, talvez... Ou uma espécie de jardim...
— Na verdade o espaço é bem pequeno, mas a casa está mesmo velha e me rende pouco, só dá despesa e ocupa espaço. A área de lazer é mais proveitosa. —Sr. Lopes falou tentando se justificar mais para si mesmo do que para Arthur, pois sabia bem de todas as lembranças que ela lhe trazia e para piorar, Leonor havia se materializado bem diante dele ali naquela tarde.
Arthur assentiu com a cabeça, afinal Sr. Lopes era o dono e poderia fazer o que bem quisesse com o que era seu. Apesar disso, sentiu um nó no peito, pois ali existia uma bela e antiga casa que valia a pena manter-se de pé.
Apesar de ser adepto de arquiteturas mais modernas, Arthur sabia também admirar as antigas e, aquela casa, mesmo velha, era uma verdadeira joia que, com certeza, ajudava a contar a história e a evolução da arquitetura ao longo dos anos. Precisaria apenas ser restaurada.
—Sobre a demolição... Não quer repensar?— Arthur ousou perguntar.
—Repensar? —Sr. Lopes levantou as sobrancelhas.
—Sim... Não seria mais interessante restaurar a casa? Tombá-la como patrimônio histórico... —Arthur sugeriu.
—Coisas antigas já não me interessam muito. Possuem histórias demais para meu gosto. — Sr. Lopes respondeu de forma rude e chegou a bater a bengala no piso da sala para espanto de Arthur. — Não tente me contrariar com suas ideias meu jovem. Vamos logo ao que interessa.
—Tudo bem Sr. Lopes. —Contrariado, Arthur já não tinha certeza de que seria um bom negócio fazer aquele projeto, embora já tivesse demolido outras tantas construções. Não seria a primeira. Contudo, tinha uma ideia em mente: comprar a casa. Faria a oferta ao Sr. Lopes depois que visitasse o local.
Quando Mário preparou a lousa digital e baixou as persianas Rolô para bloquear a luz de fora, a atenção de todos se voltou para os slides que Arthur ia repassando apenas usando a sensibilidade da tela.
Ao final de umas duas horas de reunião, Arthur finalmente a encerrou.
—Esta semana visitarei o edifício que será reformado e o terreno para a construção do novo, além da casa que será demolida. Só então farei um esboço do projeto. —disse Arthur apertando as mãos do Sr. Lopes.
—Aguardo seu contato meu jovem. — E atravessou a grande porta de vidro deixando Arthur a pensar que a ganância pelo ter levava as pessoas a destruírem belíssimos patrimônios históricos. E pior, ele estava envolvido e se sentia muito mal. No entanto, tinha esperança que Sr. Lopes aceitasse sua proposta de compra da casa. Comprá-la seria a única forma de salvá-la. E com essa ideia em mente, voltou ao trabalho.
CONTINUA...
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PS.: Vou postar 2 capítulos por dia porque vou fazer uma cirurgia dia 27 e vou ficar uns dias de repouso. É uma cirurgia delicada. Então queria postar tudo antes para não ficar um espaço grande entre os capítulos. Assim quem se interesar em ler vai lendo devagar. Na verdade ficaria feliz se lessem.