VAI GINA (Um conto de Carnaval)
A Diretora da Ala soltou o alerta de que havia chegado a hora de suas baianas começarem a caminhada para a área da concentração, pois a hora da Escola entrar na passarela estava chegando.
E lá foram aquelas senhoras, algumas ainda umas jovens senhoras. Outras já com o peso da idade sobre seus ombros, mas nada tirava dessas a vontade de entrar na avenida do samba e nela fazer o que a baiana mais gosta de fazer, girar, girar e girar, dentro do estabelecido pelas harmonias no contexto do samba enredo. Não era um giro louco, era um giro direcionado em momentos que o samba enredo pedia.
E foi na condição de harmonia que Oslec percebeu que a Baiana Regina, mais conhecida como Gina, não estava bem. Gina era uma baiana que não se contentava apenas com uma escola, e nos desfiles já tinha chegado a desfilar em todas as escolas numa noite de desfile.
E naquela noite, ela já havia desfilado em outras 2 escolas.
- Tudo bem, Gina?
Lhe perguntei! E ela, com a dor estampada no rosto, respondeu-me:
- Estou com muita dor, Oslec.
- Onde, Gina?
. Nas pernas até os pés, começando na altura dos rins. Gina apontou para suas costas...
Enquanto falava, Gina caminhava devagar, um pouco atrás das demais baianas.
Ela foi a última a chegar no espaço antes de passar pelas catracas que dariam acesso à escola, à área de espera para depois entrar na área de concentração.
Uma larga avenida em Santos que começava no Castelo e ia até próximo ao cemitério da Areia Branca.
A escola já estava com suas alas paradas ali, ao lado daquele movimento frenético de pessoas a viver o carnaval de santos. Um ir e vir de foliões dividindo espaço com barracas e ambulantes numa bagunça social organizada. E se você estivesse com vontade de fazer xixi, algumas residências, pela módica quantia de R$ 2,00, franquiavam seus sanitários para os foliões se aliviarem.
Oslec, harmonia da Ala das baianas, estava preocupado com Gina, pois essa a cada minuto lhe parecia num estado pior que o estado anterior.
- Gina, vai dar?
- Acho que não, e Gina falou isso já tirando o adereço de cabeça...
Oslec então, foi até a calçada da avenida, onde algumas pessoas sentadas conversavam, bebiam, curtindo e aguardando a passagem da escola pelas catracas e, se dirigindo a uma senhora que ali estava com suas amigas, lhe pediu:
- Senhora, por favor, deixa uma baiana se sentar aqui enquanto a escola não entra?
- Claro, meu filho! Traz ela, nós cuidamos dela.
Oslec não perdeu tempo, voltou à formação e logo retornou com Gina, acomodando-a na mureta ao lado das senhoras.
- O que você está sentido, filha?
- Onde dói amor?
Era uma sucessão de perguntas encavaladas, até que aos poucos os próximos de Gina deixaram ela falar...
- Dói muito as pernas e sobe até a altura dos rins.
Você tomou algum remédio, filha?
- Eu...
Gina nem chegou a concluir sua resposta, pois logo lhe trouxeram a solução para as suas dores.
- Amiga, olha, eu tenho aqui um Metamizol sódico em gotas, acho que 40 gotas resolvem o seu problema...
- Tia, dá um tapa no fino que a senhora vai entrar na passarela voando...
- Quem tem uma pedra aí? A baiana está precisando!
- Tá doido o psico, vai queimar pedra para lá... Quer uma cerveja baiana?
- Filha, toma esse comprimido aqui que você logo, logo, vai começar a se sentir melhor.
Gina estava naquele momento com suas dores, no foco de todos ali próximos a ela. Tinha até gente abanando-a, e discreta num canto, uma senhora com uma Bíblia nas mãos clamava aos céus:
- Senhor, cura essa alma que está dolorida. Tira-a dessa perdição que é o carnaval. Renova, senhor, apaga essa luz do pecado que brilha nela e a alumie sua vida com a sua luz. Após os seus clamores, que em certos momentos foram maiores que o som da bateria da escola que chegava à formação das alas, ela passou ao meio do grupo ao redor de Gina, distribuindo os panfletos da sua congregação.
Gina, medicada por aquelas pessoas sensíveis à dor alheia, foi alertada por Oslec que a escola começava a se movimentar. Gina levantou-se e foi levada pelas mãos de Oslec até o seu lugar na formação da escola ali naquela avenida.
- Obrigado, gente, já estou me sentindo melhor, gratidão a todos vocês.
Um coro entoou um grito uníssono que ecoou pela avenida.
- Vai Gina, vai baiana, vai Gina, vai Gina, vai Gina.
E Gina foi, com as demais baianas que atravessaram as catracas, para ter acesso à área de concentração, para ali aguardar a sirene que indicaria o momento de a Escola entrar finalmente na passarela.
Gina, naquele momento, era uma entidade com roupagem de baiana, e nenhuma dor a impediria de viver aquele sagrado momento.