Vestígios - BVIW
No restaurante quase deserto, ele me viu, o antigo colega do ensino médio, que eu daria tudo para não reencontrar. Veio andando na minha direção. Conversa banal. Reminiscências. E, de repente, a pergunta:
__Você não era o melhor amigo do Fernando? Cara, soube que ele está nas últimas. Câncer de garganta.
Fui pra casa ruminando a notícia, enquanto lembrava daqueles anos belos e terríveis. Dizem que o primeiro amor a gente nunca esquece. Eu, um menino isolado, introvertido. Passava os recreios no jardim, observando as plantas. Só tinha interesse nas aulas de biologia. Fernando se aproximou de mim quando, agachado na grama, olhava embevecido o nascimento de uma tiririca amarela. Ao saber do meu amor pelas flores, perguntou-me se eu conhecia a história do menino do dedo verde. E sem esperar pela resposta, começou a contá-la: "Era uma vez, na cidade de Mirapólvora..." Era um grande contador de histórias. Com ele conheci Demian e O Apanhador no Campo de Centeio. Com ele conheci a felicidade calma de ser compreendido e aceito. E, sobretudo, amado. Quando a escola e os pais descobriram nossa ligação, foi um escândalo. Ambos não conseguimos enfrentar tanto ódio e preconceito e nos afastamos para sempre. Agora, abro a porta do quarto insignificante do hospital público. Coloco a avenca que trouxe sobre a pequena mesa de cabeceira. Ele fixa os olhos em mim, a princípio, indiferentes, mas logo vislumbro um claro lampejo de reconhecimento e o esboço de um sorriso. Seguro firme sua mão livre do soro e digo: "Vim só pra te contar uma história. Será que você se lembra? Era uma vez, na cidade de Mirapólvora..."