A listra - BVIW
No verão gostava de fazer a sesta após o almoço. O calor insuportável deixava-o mole, e de duas às quatro tarde, enquanto o sol percorria o lento caminho em direção ao poente, seu cochilo era sagrado. Aquele dia, ao olhar-se no espelho, reparou uma estranha listra na careca, palidamente rosada como a unha de um bebê. Achou que podia ser só a marca do travesseiro e não pensou mais naquilo. Mas nos dias que se seguiram ela começou a mudar de cor, cada vez mais vermelha, rubra, purpúrea, até que começou a soltar bolhas que descamavam horrivelmente. Já não tinha coragem de sair às ruas, imaginava as pessoas olhando-o enviesado, quem sabe com nojo, quem sabe com medo de que aquela doença de pele fosse contagiosa. Procurou no google uma configuração que se assemelhasse àquele risco agora pavorosamente visível, mas nada encontrou, e nem conseguiu fazer, sozinho, um diagnóstico. À noite, na hora da cerveja com os amigos, passou a usar um velho chapéu panamá que escondesse aquela aberração dermatológica. Quando ela começou a escurecer assumindo um tom amarronzado cada vez mais profundo, resolveu procurar um médico. Após um exame rápido até demais, veio o veredicto na voz indiferente do nobre discípulo de Hipócrates: tudo não passava de uma queimadura de sol. Ao chegar em casa, inconformado com o que considerou um deboche à seu mal, deitou-se na cama para aproveitar um restinho de tempo que ainda tinha para o costumeiro cochilo e sentiu um calorzinho bem ali, onde a risca se firmava na calva lisa. E com profundo alívio, logo tudo ficou claro: era aquela fresta na janela!