Ela abria delicadamente com dedos, a persiana e usufruuía das frestas para  olhar lá para fora. Ouvira muitos barulhos, alguém vociferava palavrões, e  até o som de um estampido que parecia ser um tiro. Era uma festa de rua, confraternizava-se o fato da seleção brasileira sagrar-se campeã. Havia muitas pessoas vestidas com a camisa da seleção, o tradicional verde e amarelo. O patriotismo se resumia ao fanatismo de torcer e comemorar em campeonatos de futebol. Ela estava em casa, para descansar depois de um tumultuado plantão de 24 horas. Era a pátria de chuteiras... Como médica, estava habituada ver sangue, feridas e mortos. Jamais se questionara o porquê de tanta violência... Para a medicina restava cuidar dos sobreviventes ou o que sobrou deles... Pelas frestas, viu a polícia chegar, o giroscópio e a sirene alardeando que é preciso haver ordem. Fiapos da situação, com trilha sonora pavorosa. Fechou a persiana, deitou-se, pois o corpo cansado merecia descansar... No âmago, sonhava com um mundo melhor. Com menos violência gratuita e idiota. Matam-se por tudo. Por amor, por ódio, por contrariedades, e principalmente, por  absoluta desumanidade. O alarido e a confusão não permitiam ela dormir... mas, mesmo assim, fechava seus olhos e, tentava descansar. No dia seguinte, ao sair do apartamento o porteiro lhe noticiava o ocorrido: matou-se a tiros um valentão contumaz que apalpara a mulher alheia. Arregalou os olhos, lamentou pelo ocorrido e, por fim, agradeceu a informação. As frestas revelavam fiapos da realidade numa costura contemporânea e paradoxal. Só restava uma certeza, nada daquilo fazia sentido.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 31/01/2024
Reeditado em 31/01/2024
Código do texto: T7988962
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