À noite, no alpendre comprido, de ladrilhos estampados, da sede da Fazenda Paraíso, dona Quinha se queixava ao marido:

 

— Home, e Ritinha? Nossa fia num se mistura. Quinze ano, e num passa um batom, num sai de casa, num faiz é nada! Parece que desgosta da vida...

 

— Ana Rita tem é que casá — Andalécio cofiou a barba ruiva, alisou o cabelo lustroso dos óleos que velha Serafina lhe preparava. — Amanhã, mando Alaor levá recado pro Acacinho, o moço de cumpade Acácio tá enrabichado...

 

A mulher encarou o marido com asco e desprezo. Então, já tinha planos, o desgramado! Será que não pensava outra coisa na vida a não ser em casar as filhas o quanto antes? O infame dizia que bom mesmo era filho macho, que moça em casa era só dor de cabeça. As duas mais velhas já tinham ido com os filhos de cumpade Antõe.

 

— Cê endoidou de vez, Indaleço? Qué jogá a pobre numa esparrela? — Quinha fervia por dentro.  — Acacinho é pau-d’água, valentão, arruaceiro de porta de venda!

 

O homem não se abalou. Acendeu o pito de palha, soltou uma vigorosa baforada, os olhos arderam em chispas sob a luz mortiça do lampião. Quinha se encolheu. Sabia que não havia o que fazer.

 

Do outro lado da parede, Ana Rita sufocou a ira que lhe queimava o peito. Pela fresta da janela acabara de espiar a  própria sentença. No escuro, arrastou a trouxa de roupa escondida sob a cama. Agora era bater à porta de Alaor, seu amor de muito tempo, no quartinho dos agregados. No dia seguinte, dos dois, só o rastro na estrada.

 

 

 

Tema da Semana: Aquela fresta na janela (conto)