Por volta do meio-dia, Dora reconheceu o automóvel branco parando no terreiro da casa. Correu a chamar Luzia, que lavava roupa no puxadinho rente à cozinha.

 

— O primo deputado tá chegando, mãe!

 

A mulher adivinhou o pior, mudou as feições, veio enxugando as mãos no avental de pano ordinário. O primo, Zé Alfredo, deputado na capital, já subia os três lances de escada do alpendre. Nos braços, o caixãozinho frágil revestido em plástico grosso com florzinha miúda em alto relevo: Tomazinho não tinha resistido à operação no Hospital da Baleia. Houve um silêncio pesado na sala de cimento natado. Dora se juntou a um canto com os oito irmãos. Tito, o mais velho, tinha ido chamar o pai que arava a terra para o feijão.

 

Ao cair da tarde, o deputado chamou para a despedida. O pai e a mãe foram primeiro. Os irmãos, um de cada vez. Dora perdeu a coragem. Era ela quem mais tinha embalado a rede de bambu que pendia dos caibros rústicos. Ligava o rádio baixinho. Tomazinho ia fechando os olhinhos azuis numa mansidão que dava gosto. O pai olhou-a severo.

 

— Vem, Dora! Seu irmão já vai.

 

A menina estremeceu, achegou-se ao caixãozinho fechado. Sob a tela, distinguiu o rostinho pálido, afundado entre rosinhas brancas. Pensou que o deputado era um homem bom: estavam bem enfeitadas as mortalhas de Tomazinho. O tímido cortejo seguiu até o automóvel. Veio a ordem para que todos se recolhessem. Só pai e mãe rumaram para a cidade com o anjinho. Debruçados à janela, os irmãos viram o carro sumir na poeira da curva. Um silêncio de cortar com faca, só rasgado por uma cigarra que estridulava na caviúna da porteira, tomou conta da casa. A morte doía.

 

Tema da semana: A Tela (conto)