A garota do mercado

(Contos)

 

Dentre os corredores de supermercados, um dos mais frequentados, notadamente, é o de alimentos de animais; cães e gatos em particular. Isto eu já pude constatar. Mas não é, somente isso; também é, onde me parece, que estão as pessoas mais bem-humoradas, descontraídas e diria até que mais simpáticas. Do repositor de gôndolas aos transeuntes. Daí eu pensar: - Será que é por que elas lidam com essa turminha, que só graça e carinho dão pra gente?!

 

Pois bem, toda semana eu vou ao supermercado comprar ração pros meus cachorros lá da minha casa de campo, são quatorze e se alimentam muito bem, talvez por isso é que são sempre gaiatos e cheios de energia. Dessa última vez que fui ao supermercado, logo que entrei, esbarrei num velho colega de trabalho que há muitos anos eu não via, fiquei contente de encontra-lo por ali e demonstrei isso com um sorriso bem largo, mas logo me veio a decepção; o cara pareceu que não me conhecia e eu fiquei meio sem graça, confesso que fiquei triste. Mas tudo bem, trocamos algumas palavras frias e cada um seguiu seu destino.

 

Segui em frente e entrei no corredor dos pets, fiquei lembrando..., como é festivo a minha chegada no sítio, a alegria que os cachorros fazem ao me verem no portão, todos eles se alvoroçam abanando os rabinhos, fazendo uma festa incrível, correm ao redor do carro e esperam incontinentes eu sair pra pularem em mim, abraçam-se nas minhas pernas, outros querem pular no meu colo... nossa! É uma algazarra contagiante. E naquela hora, qualquer problema que eu possa ter, certamente, fica lá fora do portão.

 

Pois bem... - Fiquei distraído, fazendo a comparação deles com as pessoas. Foi naquele instante que eu ouvi uma voz bem meiga atrás de mim, dizia assim: - o que foi?! O senhor se assustou com alguma coisa? Com os preços sei que não é, pois sempre o vejo colocar o que quer no carrinho e nunca olha o preço! - Era uma garota de mais ou menos vinte e sete anos, disse isso com simpatia, o que também me alegrou. Então eu falei: - Que legal, você falando comigo, fico muito feliz por isso e mais ainda, por saber que você tem me observado. Também, vejo você por aqui e sempre está assim, bem simpática, além de bonita, claro! Ela sorriu bem graciosa. Eu adorei.

 

Continuamos a conversar, falando de nossos cães. Ela falava com um semblante bem alegre, sobre os dois que tinha, até parecia que eles estavam ali por perto, disse-me qual era a raça deles e como eram legais, mas sempre que pausava me perguntava: ... e os seus? Porém, quando eu tentava responder ela seguia com mais conversa, pra depois me perguntar a mesma coisa; ... e os seus? E sorria bastante. Na quarta vez que ela fez isso, eu pensei: “ah é?! Também tenho meu lado “maluco”, então lhe falei: [omascaciodomasciolotedazonacincopassouporseis], pronto! Aí, ela caiu numa gargalhada super gostosa; percebeu, finalmente, que eu precisava falar. Então, eu a convidei pra tomar um café, ali mesmo na lanchonete; ela aceitou, mas impôs a condição que cada um pagasse o seu. Eu torci o beiço, balancei a cabeça e disse: - Tudo bem, não vou lhe contrariar. Também sou assim, não gosto que ninguém pague nada por mim. Não mesmo. Fomos e sentamos.

 

Nossa conversa estava muito legal. Descontraída, provocando boas risadas. Achamos interessante quanta afinidade havia em nós. E eu pensei: - Que garota legal, noutros tempos isso daria “pano pra manga”. Ela pressentiu meu pensamento e me perguntou: - seria capaz de me dizer o que pensou rapidamente? Eu respondi: - Sim, você me parece confiável e prossegui: - estava pensando que se a conhecesse algum tempo atrás, faria tudo para que fosse minha garota. Ela sorriu e me disse: - Foi o que eu também pensei. Ficamos nisso, nos despedimos e cada um foi pro seu lado.

 

Nas duas semanas seguintes eu não mais a encontrei no supermercado. Esqueci.

 

Noutra semana, não fui pro supermercado de manhã, fui à tarde. E na mesma gôndola, distraído eu ouvi novamente aquela voz. Desta vez dizendo: - também mudou de horário? Era a mesma garota de antes. Sorrimos, eu me mostrei surpreso e também alegre de encontrá-la ali. Então respondi: - Não, hoje foi uma exceção, estava com muitos compromissos de manhã. Prossegui: - e você? Ela me respondeu: - Eu tive que mudar o meu horário de vir aqui. E eu perguntei: - seria capaz de me dizer por quê? – Ela me respondeu: - sim, você me parece confiável e prosseguiu: - fiquei pensando se continuasse a vê-lo por aqui, terminaria sendo sua garota. Uma mistura de alegria e tristeza eu vi no seu semblante. Foi então que ela me mostrou a aliança de casada. Eu meneei a cabeça, sorri sorrateiro, mas não disse nada. Ela também sorriu sorrateiramente. Algumas outras palavras soltas, um breve adeus e cada um foi pro seu lado. Nunca mais fui no supermercado à tarde, também nunca mais a vi no supermercado pela manhã.

 

No que isso tem a ver com os animais do texto? A sinceridade, talvez.

 

 

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Antônio Souza

(Escritor)

 

*”Contos” é um gênero literário, onde o autor cria ilusões no leitor. Não há compromisso com a verdade. Daí a célebre expressão: - “Qualquer semelhança com fatos e pessoas, são meras coincidências”.

 

Música:

 

https://youtu.be/5_pFr1oi8Ew

Ritchie - A Vida Tem Dessas Coisas (v.2.009)

 

www.antoniosouzaescritor.com