O ano de 2000 não intera

Morávamos em um pequeno povoado, formado apenas por familiares maternos. Lá não tinha energia elétrica e as estradas de acesso eram muito ruins. Desde bem pequena, sempre ouvi a expressão: "o ano de 2000 não intera".

Essa história era contada por minha bisavó, minha avó, minha mãe... E seguia passando de geração a geração, relatada com tanta certeza, que não havia quem duvidasse de sua veracidade.

Falavam que haveria um período de trevas, o qual duraria 3 dias e tínhamos que armazenar comida, água, carvão ou lenha e tudo que fosse necessário para suprir as necessidades nesse tempo. Também teríamos que criar muitas cadelas, pois elas nos protegeriam da esferas que chegariam com a escuridão. Por fim, viria o fogo, que destruiria tudo e acabaria o mundo.

À medida que o século XXI se aproximava, as pessoas ficavam mais angustiadas, pois acreditavam realmente que a humanidade estava perto do fim.

O dia 31 de dezembro, de 1999, amanheceu bastante nublado e o sol não apareceu em momento algum. Por volta das 16 horas, as nuvens começaram a ficar tão pesadas, que a noite parecia ter chegado mais cedo.

Caiu uma chuva torrencial, com ventos fortes, muitos raios, trovões e logo o transformador de energia queimoo, que tinha chegado para nós a pouco tempo.

Quando escutamos o barulho e tudo se apagou, a mãe desesperou de vez. Em sua cabeça estava se cumprindo a profecia e ela não sabia o que fazer. Juntou todos os filhos em seu quarto, se pois a rezar e a chorar ao mesmo tempo, meus irmãos a acompanharam na lamentação e o pai tentava acalmar a todos, sem sucesso. Eu era a primogênita da família e observava aquela cena sem nenhuma reação.

Faltavam poucos minutos para meia-noite, quando a tempestade cessou completamente. Fomos lá fora ver os estragos e se ainda tinha indício de chuva para aquela madrugada. Olhamos o céu, vimos várias estrelas e comentei:

- O ano 2000 pode até não terminar, mas já começou. O pai sorriu satisfeito e a mãe tomou como um deboche, mas ficou calada. E depois de tanta tribulação, fomos finalmente dormir.

Hoje, 24 anos depois desse episódio, fico pensando o que diria minha avó se fosse viva, pois ela faleceu dois anos antes da conturbada virada para o novo século. Porém, sua mãe viveu até 2009 e meu avô tem 92 anos e ainda mora no mesmo lugar.