Encontro

O encontro foi casual. Duas pontas de vida unidas em luz e pintadas de carmim. O cenário compartilhado envolto em papéis de presente e fitas de pretérito. O natal é o período do ano mais cheio de simbolismos e de desejos que não têm nome.

O banco de jardim já corroído pelo tempo recebera nova pintura e fora a única testemunha da conversa breve e terna no quintal. A criança amava as festas de natal, ajudar a fazer compras e a preparar os doces. Achava divertidas até mesmo as filas e a enxurrada humana que seguia em direção ao horizonte que só era azul nessa época. Tinha melodia a busca por algo que não estava fora, mas dentro. A farra com os primos e parentes encerrava em grande estilo o cansaço provocado por um banho que, era antes de tudo, de paz.

A mulher madura ouvia em silêncio. Às duras penas estava aprendendo a silenciar. Olhava o brilho nos olhos da menina de pés descalços e via o quanto já estava longe. Em qual estação havia desembarcado sem perceber? O cansaço não era mais de realização, mas de incompletude. Era cansativo doar-se por tanto tempo. Eram desgastantes as festas de natal. Era dolorido ajudar a fazer compras e a preparar os doces. Perderam toda a magia as filas intermináveis e a enxurrada humana que seguia em direção ao horizonte que só era azul nessa época. Azul, mas a que custo? A chuva banhava, mas de angústia, e ela em fim acordava em dezembro.

Contudo, não tinha coragem de desencantar a menina. Talvez esse fosse o sinal de que nela ainda havia natal. Talvez o natal fosse mesmo próprio das crianças. Quem mais suportaria o peso das sacolas e dos sorrisos que não voltarão? Ouviu, afagou as mãos pequeninas entre as suas e ao espelho, vestiu-se de lembranças de natais e de nascimentos que não são mais seus. A menina balançava os pés e agradecia pelas oportunidades, afetos, memórias. A mulher encaixotava coragem e fazia preces.

Janeiro então já despontava, e ela se levantava juntamente com ele, prometendo tentar não desapontar a criança. Para as durezas da vida ainda há tempo no futuro e não havia por que antecipá-las. Arrumou os fios de cabelo que se desalinharam na menina e sorriu pela metade. Tanta coisa ainda estava por fazer e ela respirou fundo. A criança cirandava.

As crianças é que sabem o verdadeiro sentido do natal, pensou. Não é à toa que o Reino dos céus é garantido a elas. Aos demais, esforço. Talvez seja porque a Palavra nasceu criança, fugitiva, pobre, sem nada que fosse seu além de um lindo plano. Um plano de criança e iniciado com o natal. As dores só a aguardavam no futuro. Os adultos sabem, porém, mal se lembram. Ela deu um suspiro e o último sorriso do ano. Abriu mão do silêncio por um instante enquanto essa Palavra-Verbo chorava recém-nascida no seu coração e ela refletia sobre essa história. Sobre essa que é outra história.