As aventuras de Tonico _4_ O frustrado resgate de um caso de amor...
Em 1986, já em franca recuperação da dependência alcoólica, através do programa de recuperação oferecido pelo A.A., eu tentei resgatar um sonho de amor.
Sempre que pensava na Solange, a professorinha de Codó, com quem vivi um tórrido romance nos anos de 70/72, me vinha a sensação de ter perdido a mulher da minha vida. Aquela moça me tinha dado tantas e inequívocas provas de amor e dedicação! A leitura que eu fazia era de que tivera nas mãos a felicidade, que encontrara a minha alma gêmea e não a soubera reconhecer.
Deplorava a dependência alcoólica que me desequilibrara a vida e que me fizera afastar-me dela para, anos depois, meter-me numa aventura de um frustrado segundo casamento. E eu raciocinava assim: “Aquela moça era da alta sociedade local e aceitava namorar comigo, eu, um bêbado contumaz e freqüentador habitual de bordéis. Com certeza, me amava muito! E quem sabe, 14 anos depois de eu ter saído de Codó, ela jamais me teria esquecido?”
Um dia, abri o meu peito para o Epitácio, meu amigo de infância; contei-lhe todo o meu passado e falei-lhe da Solange. Ele ouviu-me com atenção e ponderou:
- Cara, essa moça, com certeza, te amava muito. Que aconteceu com ela, casou-se?
- Não, há uns dois meses encontrei uma colega sua, aqui em São Luís, que confirmou que ela permanece solteira.
- E então, idiota, o que estás esperando? Estás só, não bebes mais! Corre atrás do teu sonho, da mulher da tua vida! Com certeza ela nunca te esqueceu, Antonio! Corre atrás do teu sonho, meu amigo, não tenhas medo de ser feliz!
Permaneci sem coragem para fazer isso, até que apareceu uma imperdível oportunidade: em 1986, decidiu-se fundar um Grupo de AA na cidade de Codó. Nesse tempo, eu era vice-presidente do Escritório Local de AA em São Luís e, cheio de esperanças, de pronto ofereci-me para fazer parte do Comitê de Instalação. A fundação do Grupo de AA era apenas um detalhe para mim; na verdade, o meu objetivo maior era chegar perto da minha ex-namorada, falar-lhe, resgatar o sonho antigo de reconciliação amorosa!
Assim que o ônibus da caravana de AA de São Luís chegou a Codó eu, emocionado, com o coração quase a saltar do peito, fui para a pracinha perto da casa da Solange, sem coragem para bater à porta. Em dado momento, o seu irmão, que vinha do serviço, reconheceu-me:
- Antonio, você por aqui?
- Sim, faço parte de uma comitiva que veio inaugurar um Grupo de AA aqui.
- Ah, sim, já ouvi falar nisso. Codó precisa mesmo desse Grupo. Tem muita gente morrendo de beber por aqui. Mas, já falou com a Solange?
- Ainda não.
- Ela está em casa. Venha!
Fui com ele e entramos na casa. A Solange veio receber-nos. O tempo quase não tinha passado para ela: soberba coroa, bem apetrechada quarentona! Foi educada, amável, mas bem pouco calorosa. Ficamos conversando trivialidades por quase 20 minutos e quando eu pensava em dirigir a conversa para assuntos mais sérios, ela informou:
- Escute, Antonio, sinto muito, mas tenho que assistir ao jogo do time de futebol do qual sou madrinha e onde joga o meu namorado. Fique à vontade, o meu irmão lhe fará companhia!
Eu dei um sorriso amarelo... Ela despediu-se cordialmente, tirou o carro da garagem e foi-se embora, sem mais nenhuma palavra, nenhum gesto...
Que decepção! Fantasiara tanto aquele encontro, esperara uma recepção de “Príncipe Encantado” e o que via, ali, naquele momento? Uma mulher para a qual eu não passava de um remoto e já completamente esquecido caso de namoro!
Na viagem de volta, um tanto irritado pelo “mico” que a minha ilusão me fizera pagar, despertou-me, entretanto, a minha já quase famosa veia humorística e cantarolei baixinho a cantiga de roda:
"O anel que tu me deste
Era vidro, se quebrou,
O amor que tu me tinhas
Era pouco, se acabou"
E, falando baixinho com os meus botões, fiz a tradução do óbvio desfecho: “O passado, ó alma romântica e sonhadora, se chama passado, exatamente por causa isso: já passou...”