No início,

No início, não havia nada. Nada que interessasse.

Ele acordou de um sonho doce, um sonho quente e úmido. Acordou para a luz, que o cegou sem dó; acordou para o oxigênio, para o som, para o gosto e o cheiro. E sua primeira reação foi algo que, posteriormente, ele batizou de grito, que proveio de um sentimento que foi chamado de horror.

O cenário era angustiante. Seu peito doía e ele não sabia fazer outra coisa além de gritar assustado. Ele levou para todos os lados seus olhos – Olhos? Ele tinha olhos! E eram dois! E estavam molhados, o que é isso? – arregalados, que processavam todas as imagens dolorosamente, ainda que ele não pudesse entender nada. Em seguida, gigantes pegaram-no pelo traseiro e cortaram-lhe algo parecido com um longo fio carnoso que lhe saía da barriga, mas a dor de simplesmente respirar era grande demais para ele reparar que acabara de ser aleijado.

Peças brancas, gigantes brancos, sons, luz, cheiros. E todo aquele horror foi chamado de milagre.

Ele nasceu.

Por muito tempo, ele não entendeu nada. Não entendeu por que tantos gigantes o olhavam com expressões carregadas de maravilhas ou por que, às vezes, logo em seguida, eles interagiam entre si com sons desconexos saídos pela boca. Apesar de confuso, notou certa harmonia entre eles. Era só isso? Talvez fosse apenas desejar e tentar expelir alguma coisa pela boca, não devia ser tão difícil. Então ele abriu a boca e usou suas cordas vocais com mais precisão do que costumava fazê-lo ao berrar... Mas foi um fracasso. Seu primeiro fracasso. Ninguém o notou, ou fez caras maravilhadas, era apenas a mesma reação de sempre, como se sequer tivesse feito alguma coisa. Grunhiu novamente. Nada.

Ele então tentou se comunicar pela voz por dias, até que teve a brilhante idéia de imitar os dialetos. Resolveu tentar uma palavra fácil, que ouvia a cada cinco minutos: “Mamãe”, ele disse, ainda que tortuosamente. Mas o grunhido foi um sucesso; a primeira gigante, sua protetora, o abraçou sem motivo algum. Logo depois, alguns outros gigantes se aproximaram repetindo a palavra que ele acabara de dizer como que esperassem que ele a repetisse. Ele o fez. Outro sucesso. Seria um mundo maravilhoso se continuasse daquele jeito, mas ele, com o tempo a se passar, percebeu que teria que aprender uma palavra nova para poder ganhar mais atenção.

Bem, ele aprendeu. Aprendeu a falar, a gritar, a andar, a correr e, como sempre, no começo foi uma maravilha. Até que ele percebeu que todo o mundo fazia a mesma coisa que ele aprendia, com a diferença de que todo o mundo fazia muito melhor. E ele, pela primeira vez, se frustrou. E dessa vez ninguém aplaudiu.

...Mas estava tudo bem. Ele iria aprender. Era o que ele acreditava, até descobrir que havia níveis de aprendizado: Fácil, Médio, Difícil e Impossível. E não adiantava, por mais que ele se esforçasse, para ele, tudo aquilo sempre seria fácil. Então ele se chateou outra vez. E, impaciente, apenas se conformou com seus supostos limites.

E ele se tornou um bosta.