Música de corno

     Na parede do bar havia até uma lista de cornudos em ponto futuro, baseada em algoritmo feito por cérebro aposentado do Serpro. Era um dos fundadores daquele grupo de what's up. Segundo o referido algoritmo, as possibilidades de alguém ser cornudo são 100%... A dúvida era quando. O encontro de hoje é para definir de uma vez por todas, de maneira democrática, o que é música de corno.

     O dono do bar, Serginho Gordo, abre os trabalhos:

     - Prezados, tem seis meses que estamos debatendo democraticamente o tema. Chegou hoje o dia das alegações e do veredicto final, sem apelação, do júri de sete cornos assumidos. Antes, informo que a comissão organizadora vetou a candidatura do gênero breganejo no certame, devido ao fato de que o breganejo é  filho dos três ritmos concorrentes. Aqui não vai ter nepotismo.

     Então, comecemos. O primeiro a falar é o advogado do bolero, o próprio Serginho Gordo.

     - É com o bolero que eu mais me identifico. Nos meus tempos de cornélio, era só coçar a testa e eu corria logo pra vitrola e metia um bolerão sofrência, com um trago qualquer. Tem coisa mais bonita que “De joelhos", na voz do Carlos Alberto? "De joelhos, implorando, longas horas, longas noites, eu as passo chorando... Se voltares a meu lado, de joelhos, eu te juro serei de ti escravo...” Coisa mais linda, ser escravo por amor. E Perfídia, o próprio nome já cheira traição. "Mujer, si puedes tu con Diós hablar..." Não tem outra. Voto no bolero para música de corno.

     Na sequência, de terno e gravata, sobe ao pódio o advogado do tango, um certo Maré, oriundo do Espírito Santo:

     - Eu falo e provo, música de corno é o tango. Toquei tango na zona de Pitangui, MG, antigo Bar Alaska, nos anos 1960 e poucos. Tinha hora que todo mundo chorava. Era pra isso mesmo. Nem preciso citar Carlos Gardel. Vejam o gaúcho Nelson Gonçalves. Ele assumiu a cornificação quando gravou o tango: "Hoje quem paga sou eu”. O corno fala qualquer idioma, tem até tango italiano. A prova é "Via Broletto", de Sérgio Endrigo. Só olhar a letra, bota no Google Tradutor, nem precisa saber cantar. Vejam, tango não é só coisa de uruguaio, brasileiro e argentino. Italiano também se cornifica.

      O representante do samba-canção, um moreno alto com pinta de advogado, foi rápido ao ponto: o samba canção é a perfeita música de corno. É filho do bolero e do samba, daí o nome: samba-canção. Nasceu nos anos quarenta do século passado. O show não podia parar. Artistas argentinos e uruguaios vieram cantar tango e bolero nos clubes e nos cassinos fechados pelo presidente Dutra, no Rio e em Foz do Iguaçu. Essa importação de artistas manteve funcionando os estabelecimentos, mas acirrou o sentimento nacionalista da época, gerador do samba-cançâo. A verdade é que não existe gênero musical mais meloso e choramingas. Lupicínio Rodrigues, músico corno assumido, compôs uma série de letras choronas, tipo "Nervos de Aço". Até o universitário Chico Buarque, papo cabeça, escorregou e compôs "Pedaço de mim". "... a saudade é o pior castigo e eu não quero levar comigo a mortalha do amor, adeus." Funéreo.

       Ouvidas as considerações finais, interrompe-se a sessão para a votação dos "cornos jurados". Votem com consciência. Os cornos, reais ou virtuais, futuros ou pretéritos, agradecem.

 

     Boca de urna: você votaria no bolero, tango ou samba-canção para escolher a legítima música de corno? Dê seu like, comente e inscreva-se no canal.