O Passado Renovado
------ Não, não acredito mais uma vez esse telefone ficou mudo e sem funcionar. Reclamava o seu Genivaldo da sala falando com os retratos dos seus familiares na parede. Ele já não tinha mais com quem desabafar os seus problemas já que vivia em uma casa sozinho na periferia de uma cidade grande. Seu Genivaldo Andrade era viúvo, um homem de 82 anos e pai de dois rapazes já grande que não morava na mesma cidade que ele havia mais de 20 anos. Seu Genivaldo vivia sozinho há mais de 5 anos desde que sua adorada esposa Antonieta havia falecido e a vida desde então para ele era de solidão e recordação. Para Genivaldo o mundo ao seu redor tinha evoluído muito rápido, tudo era muito tecnológico, passageiro e descartável. Ele definitivamente não se acostumava com aquilo. Enquanto viva Dona Antonieta havia comprado os eletrodomésticos mais modernos e automatizado a casa com os dispositivos conectados todos por uma rede wireless, isso tinha sido uma sugestão de seu sobrinho que também era o vendedor de todos esses aparatos. À primeira vista a sua esposa o tinha convencido de que precisavam de tudo aquilo, mas ele se arrependeu depois que não conseguira aprender a utilizar todas aquelas “tralhas” como ele chamava.
No inverno não conseguia colocar água quente no chuveiro, na cozinha não usava a metade dos aparelhos que existia ali, na garagem de casa era frequente quantas vezes não conseguia abrir e fechar o portão corretamente. Porém o pior para o seu Genivaldo era o telefone da casa. Pois o telefone na maioria das vezes permanecia mudo. Todo mês a empresa responsável pela rede telefônica cobrava a mensalidade por meio de um aplicativo em um dispositivo móvel e o que mais seu Genivaldo detestava era justamente celulares. Ele tinha pavor daqueles aparelhos que as pessoas passavam horas com suas caras enfiadas nas telas, ele não conseguia entender o porquê de as pessoas gastarem tanto tempo e não observarem a realidade a sua volta, o mundo em sua volta, não entendia como uma pessoa se diverte assistindo um vídeo de um minuto e assistindo a vários aletoriamente. Em todos locais que ia via grupos de amigos que mesmo juntos davam mais atenção aqueles dispositivos do que os outros ao seu redor. Ele não se conformava com aquele comportamento e desprezava a geração das telas como ele tinha o costume de chamar. Tudo era muito desconexo da realidade para ele. E o pior a empresa só aceitava o pagamento da conta do telefone por meio desse aplicativo, nada de boletos, nada de depósitos e seu Genivaldo dessa forma fora obrigado a comprar um celular para pagar a bendita conta do telefone. Esse esforço enorme que ele tinha feito era por que ele recebia a ligação de apenas uma pessoa a cada semana e essa pessoa era alguém muito especial para seu Genivaldo era sua filha adotiva Alice a única que ainda se importava com aquele velho homem e ligava para ele todas as sextas-feiras de cada semana e passava horas conversando com ele. Seu Genivaldo depois de idoso nunca se sentira tão grato por ter tomado a decisão de adotar Alice em sua família já que no dia da decisão ficou receoso, algo que sua esposa o convenceu de modo enfático. Alice era a única com quem ele tinha contato da sua família já que os seus dois filhos o haviam esquecido e abandonado a muito tempo. Ele muito orgulhoso também nunca fora atrás de manter os laços com seus dois meninos algo que o fez se distanciar ainda mais. Mas com Alice era diferente, por ela ser mais nova que os dois rapazes, ele a queria muito bem. A moça tinha o sentimento recíproco também com o idoso e os dois estabeleceram uma forte ligação.
Seu Genivaldo passava os dias em casa, muitas vezes revendo os álbuns de família, relendo os textos em seus diários um costume que ele cultivara desde a mais tenra idade e cuidando de suas hortaliças. Ele não possuía mais nenhum amigo ou conhecido. Todos estavam mortos, para ele todas as suas amizades foram apenas momentos de um passado perdido, tão distante que nem se lembrava mais. Deslocado do mundo externo não reconhece mais o mundo lá fora. Para ele as músicas não prestam mais são apenas um rangido inaudível que é difícil de distinguir, a arte se tornou fútil e banal quando se tornou acessível para todos e os filmes algo que ele tanto apreciava parecia para ele um devaneio de um homem embriagado. Ele vivia no presente, mas a sua mente ainda estava presa no passado de glória onde ele tinha vigor para viver e aproveitar sua vida ao máximo. No entanto seu Genivaldo havia se reduzido apenas a um homem cansado, com sobre peso, com hipertensão e osteoporose. Para ele aquilo não era viver era apenas sobreviver.
A única coisa que o motivava era a ligação de sua filha Alice todas as sextas, porém nessa semana Alice não pôde ligar. Ele ansiosamente esperou a hora já que ela ligava todas as 16 horas daquele dia da semana, mas naquele dia o telefone não tocou. No primeiro momento não acreditou que ela não havia ligado, achou que fosse o aparelho telefônico. Na semana seguinte Alice liga para ele numa terça-feira se desculpando e dizendo que tinha uma novidade para ele e que voltaria a ligar no dia de costume que era na sexta-feira. Porém ela não voltou a ligar para ele. Então ele muito preocupado ligou para ela, algo que não fazia com frequência já que pensava que a incomodaria. Quem atendeu foi um homem com uma voz rouca e sobressaltada dizendo que Alice estava muito ocupada naquele momento e não podia atende – lo. Genivaldo então ficou preocupado. Quem era aquele homem, por que essa mudança repentina e passou vários pensamentos perturbadores em sua cabeça. Na tentativa de se acalmar parava e pensava racionalmente sobre sua filha por que a conhecia muito bem.
Passou – se duas semanas e nada da ligação de Alice até que o telefone tocou num quinta-feira e atrás da linha era ela. Ela toda contente dizia que agora era mãe e que tinha um bebê. Seu Genivaldo estupefato com tamanha novidade ficou muito feliz por ela e a parabenizou pelo o seu filho e desejou muitas bençãos para o seu neto. Alice não conseguiu conversar muito tempo com ele e logo desligou o telefone, pois o bebê já chorava pelo o peito da mãe. Passou uma semana, duas semanas e nada dela ligar e seu Genivaldo já sabia muito bem o motivo. Alice estava ocupada demais cuidando do seu filhinho. Em sua mente pela primeira vez ele sentiu uma inconformidade e satisfeito ao mesmo tempo por sua filha está feliz, no entanto se sentira que as coisas não iriam ser como antes. Passavam dias e meses e Alice ainda continuava ligando para ele, porém eram inconstantes os dias e os horários irregulares, não eram mais nas sextas como antes. Mudança era algo que ele não gostava, tinha que passar por isso, mas era algo que Genivaldo gostasse. Seu Genivaldo passava o dia ansioso esperando a ligação. Muitas vezes deixava de tirar o sono da tarde esperando a ligação ou não assistia mais a TV a noite achando que o volume da TV iria abafar o chamado do telefone. As conversas com Alice também haviam mudado os assuntos já não eram mais os mesmos e o tempo de duração não era mais do que 12 minutos ou menos até que o bebezinho acordasse.
A sua rotina tinha mudado de vez por que agora não tinha mais atenção da única pessoa ainda que ele desejava conversar. Até que um do seu quarto acorda mais cedo que o habitual, olha para o teto encontrando respostas para suas perguntas e sentido em sua própria existência. As pessoas que ele amava já não existia mais, as suas lembranças estavam no passado, o homem que ele é hoje é apenas uma sombra de quem já fora e agora a única esperança que tinha, hoje ele não tem mais. Com os olhos cansados de viver ele chega à conclusão sobre sua vida decadente. O novo deve sempre substituir o velho o que já passou fica enterrado no passado o que interessa ao mundo não é aquele que já passou pelo o mundo, mas sim aquele que virá. Então dentro de sua melancolia seu Genivaldo permanece duas semanas deitado em uma cama, impossibilitado de se levantar. Então ele decide ir lentamente para os braços da morte sem hesitar, acreditando que chegara o seu fim. Dois meses depois Alice amamentando o seu bebê recebe uma ligação e em meio a soluços recebe a notícia que seu Genivaldo fora encontrado morto segurando a sua fotografia.
Davi Freitas - 27/11/2023