Uma Visão

Todos os dias por volta das 17-18 horas eu entrava no ônibus rumo a casa do meu atleta de jiu-jitsu. Todos os dias eu a via, jovem de pele branca, um pouco parecida com o John Lennon, cabelos pretos longos, mais ou menos 1,58 de altura, arrisco uns 56 quilos, magra, seios pequenos, óculos pretos de armação fina, calça preta, uniforme de colégio estadual do RJ, unhas de noiva muito bem feitas. Ela não andava em grupo, me parecia o típico caso de menina complexada e de poucos amigos. Isso me chamava a atenção.

Todos os dias eu a encarava e a deixava sem graça. Eu, caucasiano, alto, forte, cabelos rapados e cara de mal, sempre de regata e quimono pendurado na mochila de treino. Sou casado e um homem de palavra, prometi ser fiel e meu amor pela minha esposa era gigante, mas as vezes é difícil controlar o fogo de uma paixão e eu estava apaixonado por aquela menina. Meu senso e caráter me impediam de me aproximar e conversar com ela, mas meu olhar dizia tudo que eu queria dizer e ela sentiu.

A gente ficava nesse impasse, eu a encarava com olhos de um predador e ela sentia uma mescla de desejo em ser abatida e medo. Até que um dia, ela resolveu me encarar. Ficamos nos olhando fixamente por alguns segundos, até que ela sorriu, pôs a mão trêmula na testa me convidou a sentar ao lado dela. Por fora eu estava firme, mas por dentro eu estava congelado. Eu sentei e ela foi direta em querer saber o motivo daqueles olhares todos os dias. Fui sincero e joguei a real. Disse que eu era casado e que estava apaixonado por ela. No inicio ela riu e estranhou, mas depois de uma longa conversa, que mais pareceu uma entrevista, ela cedeu e abriu todas as suas guardas.

Leonor era seu nome, tinha 17 para 18 anos e gostava de rock, literatura e coisas que um dia foram consideradas de nerd, mas que hoje são normais na nova geração. A gente continuou se encontrando todos os dias, sempre no ônibus, e a cada dia mais a gente se conhecia. Falávamos de filmes, séries, musica, livros e ela abria seu cotidiano e problemas para mim. Eu também falava sobre a minha vida, de uma forma que eu não conseguia com a minha esposa e a gente viu que tínhamos muito em comum. No auge dos meus 37 anos, casado a 10, jamais imaginei que eu teria uma amizade assim.

Ela era filha única de uma mãe viúva. Seu pai morreu ao reagir a um assalto quando ela tinha 9 anos. Leonor sofria bullying na escola, era a "cdf" da turma e não tinha amigos. Um mês se passou e nosso vinculo se fortaleceu. Ela dizia que eu era seu porto seguro e que estava na hora da gente se encontrar em outros lugares. Para isso tive que mentir para minha esposa, disse que ministraria aulas de jiu-jitsu para ela.

A gente se encontrava em uma praça ou no shopping, as vezes íamos para outro lugar, ou ficávamos ali mesmo conversando como um casal de pombos. Alguns dias depois conheci a mãe dela. Uma senhora muito educada e simples. No inicio, dona Isaura suspeitou das minhas intenções, afinal eu sou 20 anos mais velho que a filha dela, mas depois viu o bem que eu fazia para Leonor e liberou nossa amizade.

Depois disso, começamos a nos encontrar na casa dela e foi ai que a coisa começou a ficar estranha. Era uma sexta-feira, no meio do caminho, antes de Leonor entrar no ônibus, meu atleta cancelou a aula e eu resolvi fazer uma surpresa para Leonor. Cheguei na escola e ela ficou maravilhada em me ver. Os rapazes e as moças que faziam bullying com ela ficaram tensos e surpresos ao me verem. Aproveitei o momento e deu um "apavoro" neles. Leonor me agradeceu com um beijo, mas não foi qualquer beijo, foi o beijo mais apaixonado que eu já recebi desde o meu casamento.

Daquele dia em diante, Leonor se tornou minha amante. Era difícil manter aquilo em segredo, sinceramente não sei como esses caras fazem, mas o medo e a tensão até que eram divertidos. Leonor era tudo que minha esposa não era: Muito tranquila, carinhosa, compreensiva e razoável. A gente se dava muito bem e tudo ia muito bem, mas quando a esmola é muita...

Era aniversário dela. Eu e minha segunda sogra fizemos uma festinha para ela. Tudo correu muito bem e naquela noite Leonor me ofereceu sua virgindade. Eu resisti bravamente e não consumei o ato. Ela ficou nitidamente furiosa, mas não falou nada. Nos dias que passaram ela voltou a tentar, mas eu resisti e não sei bem o motivo. Leonor começou a achar que eu não a achava sensual e que eu estava a usando ela para umas coisas e a minha esposa para outras. Começou o inferno.

Primeiro, ela ficou fria. Depois viu que a tatica de me afastar não estava sendo boa para ela e começou a mandar mensagens no meu celular. Eu pedi para ela parar e nós tivemos a primeira briga. Ficamos duas semanas sem nos falar. Para mim foi um pouco doido, mas ela ficou mal a ponto da mãe dela me ligar. Eu fui até a casa dela, era um sábado de manhã, a gente conversou e nos acertamos. Mais uma vez ela me ofereceu a virgindade e mais uma vez eu corri.

Conversei e abri a situação para um amigo, na verdade meu padrinho de casamento, e ele me deu uma ideia. Numa quarta-feira, sai do treino de jiu-jitsu, liguei para minha esposa e disse que ia assistir o jogo do Vascão com uns amigos, mas fui para a casa de Leonor. Agora ela já tinha 18 anos e eu a levei para uma noite romântica. Usei o cartão do meu padrinho de casamento para pagar o jantar e depois a levei para o motel.

Ela estava linda. Vestido preto, colar de pérola, argolas nas orelhas, salto alto da cor do vestido e um sorriso encantador. Comemos, rimos, conversamos e bebemos um pouco. Em caráter de surpresa, a levei para um bom motel. Ao chegarmos notei em seu rosto a tensão misturada com alegria e medo. Entrei e pedi uma suíte. Ela estava nervosa. Eu a beijei e comecei as preliminares no elevador, tudo para criar um clima e tirar a tensão.

Entramos no quarto, nos beijamos, deitamos na cama e nos beijamos mais. Mãos aqui e mãos lá. Rolamos como animais na cama. Estávamos excitados e tudo estava correndo bem, mas por fora. Meu corpo a queria, mas minha mente travou e eu não consegui deflora-la. Saí de cima dela, sentei na cama com as mãos na cabeça e levantei quando ela se aproximou. Mais uma vez brigamos e dessa vez foi feio.

Voltamos até a casa dela em silêncio. Deixei ela em casa, ela bateu a porta do carro e eu saí cantando pneus. Não quis voltar para casa, pois não tinha coragem de olhar para minha esposa. Rodei por horas e mais horas. Por volta de 2 da manhã decidi voltar para casa. No caminho de volta fui abordado por dois assaltantes numa moto. Em desespero, acelerei para fugir deles, perdi o controle do carro e bati em uma caçamba de lixo.

Naquele instante fatídico, meu mundo colidiu em um emaranhado de metal retorcido. As luzes da cidade piscavam à distância enquanto eu agonizava na escuridão crescente do acidente. O cheiro acre da fumaça invadiu minhas narinas, e o gosto metálico de sangue se misturava com a poeira da estrada.

De repente, as vozes do mundo desapareceram, substituídas por um silêncio penetrante. Eu flutuava em meio à escuridão, sem um corpo, sem dor. Uma paz insondável preenchia o vazio ao meu redor. Nesse vórtice silencioso, uma luz começou a formar contornos, e eu me vi diante de uma presença que emanava uma bondade indescritível. Era Deus?

Sua presença não era imponente, mas acolhedora, como a luz tênue de uma aurora que se desdobra lentamente. Em Sua expressão, havia compaixão e um entendimento que ultrapassava as palavras. Eu me senti nu diante da Sua grandiosidade, com todas as minhas fraquezas e pecados expostos. Não havia como esconder nada, pois Sua sabedoria ultrapassava a compreensão humana.

- Filho. - Sua voz era como uma sinfonia celestial, suave e penetrante. - Eu conheço teu coração, cada sombra e cada raio de luz. Não há segredos que possam se esconder de Mim.

O peso das minhas escolhas erradas se tornou avassalador. Eu abaixei a cabeça, incapaz de suportar a pureza do olhar de Deus. Mas, em vez de julgamento, encontrei compaixão.

- Cometi muitos erros - murmurei, sentindo a vergonha me envolver como um manto escuro.

Deus, em Sua misericórdia, respondeu:

- Minha graça é infinita, e Meu amor é eterno. O caminho de volta está sempre aberto para aqueles que buscam redenção.

Cada palavra era como uma semente plantada em meu coração, germinando esperança onde antes só existia desespero. Deus estendeu a mão, e, à medida que Sua mão tocava a minha, uma energia curadora fluía por todo o meu ser. Era como se cada ferida, cada mácula da minha alma, estivesse sendo lavada pela luz divina.

- Levante-se, filho - Deus disse com gentileza. - A vida na Terra ainda tem propósito para você. Use este dom da segunda chance sabiamente.

A escuridão se dissipou. De repente me vi em uma sala branca com apenas uma grande TV. Aquela TV me mostrou cada detalhe da minha vida até o acidente. Uma espécie de apresentador me mostrou onde eu errei e onde eu tinha que mudar dali para frente. Por fim, o apresentador me olhou e perguntou:

- O que você escolhe: Voltar e mudar ou terminar por aqui?

Eu me vi deitado na cama do hospital. Ao meu lado estavam minha esposa e Leonor. Senti um calor literalmente infernal e vi a maquina do meu lado apitar. As duas ficaram desesperadas. Os médicos se aproximaram, eu sabia que estava na hora de eu tomar a minha decisão. A estrada da redenção estendia-se à minha frente, e eu caminharia com humildade, consciente do dom da vida renovada.

Os médicos vieram, me ressuscitaram e no dia seguinte eu acordei. Levei um tempo para me situar e recuperar 100% a consciência. Assim que me recuperei, olhei para as duas mulheres ao meu lado e contei a verdade. Elas já sabiam e já tinham conversado. Eu, muito envergonhado, contei sobre o meu encontro com Deus naquele limiar entre a vida e a morte.

- Foi uma experiência que transcende o entendimento humano e que de hoje em diante me guiará por toda a minha jornada terrena.

Minha esposa, que sempre se mostrou incompreensiva, principalmente com assuntos religiosos, perdoou, não só a mim, mas também Leonor, afinal ela era a inocente na situação, e concordou em recomeçar a vida comigo e com Deus. Leonor, a principal ferida na história, também me perdoou e agradeceu por eu não ter tirado a virgindade dela. Disse que entendia o motivo de tudo aquilo e que também mudaria de vida.

Depois disso, Leonor se mudou para Fortaleza com a mãe e eu não tive mais contato com ela. Eu e Alda, minha esposa, nos convertemos e nos batizamos. Ela ministra aulas de culinária na igreja e faz parte do ministério de louvor. Eu, ainda dou aula de Jiu-Jitsu dentro e fora da igreja, e sou líder do ministério de esportes. Todos estamos debaixo da lei de Deus, amando a Cristo e lhe dando graças por tudo.

E você, já se arrependeu hoje?

Lucas 13:3: "Eu lhes digo que, se vocês não se arrependerem, todos vocês também perecerão."

Este versículo enfatiza a urgência do arrependimento como resposta ao chamado de Jesus. Ele nos lembra da importância de abandonar o pecado e voltar-nos para Deus, reconhecendo a necessidade de Sua graça e perdão.

Erich Noronha
Enviado por Erich Noronha em 27/11/2023
Reeditado em 27/11/2023
Código do texto: T7941540
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2023. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.