LADY MARY (BVIW)
Amira olhou a mãe encolhidinha em sua cama de viúva, e teve um aperto no coração. Dona Maria Augusta a fitava com olhos vagos, ausentes do mundo. Amira disfarçou, foi até a janela para esconder uma lágrima teimosa: sua Lady Mary, como gostava de chamá-la, era um minguado montinho de ossos. O médico a tinha alertado, e aos cinco irmãos, de que o caso era grave, muito grave. Aos noventa e seis, o corpo morria um pouco a cada dia, ele dissera. E não bastasse, tinha havido a queda na cozinha. Um corte profundo na cabeça. A visão voltara turva. A memória com retalhos de esquecimentos.
Sob efeitos do Tramadol, Lady Mary dormiu. Diante da respiração compassada, Amira ficou à vontade para chorar. Doía-lhe ver seu anjo indo embora assim devagarinho — depois de uma vida de agruras, trabalhos e sofrimentos, enfim, depunha as armas. Os infinitos caminhos pelos quais trilhara, agora dariam lugar ao caminho das glórias eternas — ela era fiel à sua crença. E como era digna de todos os tronos e coroas!
A filha tocou a face fria da mãe com as pontas dos dedos, acariciou o corpo magro, de ossos pontudos, a pele murcha e roxa de agulhas e sondas. Sentiu que um caminho infinito se abria para aquela a quem tanto amava: Lady Mary comprara suas escadarias para o céu. Vindos de algum lugar, a moça recordou acordes distantes de "Stairway To Heaven"...
Tema da Semana: Eu vim de infinitos caminhos. (Conto).