Perfeitamente imperfeita

     O despertador não tocou; acordo sobressaltada. A casa está bagunçada e é o dia mais importante de nossas vidas.

     — Rafa, acorde! Preciso de ajuda com a casa; logo a assistente social chega com a menina.

     Rafa levanta rápido e vai para a cozinha, enquanto eu arrumo o nosso quarto e depois o quarto dela. Queremos muito um filho, e finalmente, esse dia chegou. Quando a assistente social ligou, fiquei muito ansiosa. Será que eu consigo ser uma boa mãe?

     Chego na cozinha, e as coisas já estão encaminhadas. Rafa colocou o bolo para assar, mas a pia está cheia de vasilhas sujas do jantar de ontem. Sei que deveria ter lavado, mas estava tão cansada...

     — Luana, por que você está chorando? — Rafa me pergunta.

     — Estou com medo. E se ela não gostar da gente? E toda essa louça e esse chão sujo? Não vai dar tempo de organizar tudo.

     — Relaxa, Luana. Você vai ser uma ótima mãe. Nós vamos dar conta.

     Enxugo as lágrimas e retorno para a louça. Menos de cinco minutos, a campainha toca. Sinto um frio na barriga; elas chegaram.

     Abro a porta; Márcia está sorridente e ao seu lado, uma garotinha de 8 anos, encolhida e assustada. Gosto dela imediatamente. Apesar de já ter visto fotos, vê-la pessoalmente é diferente; meu coração bate acelerado e só tenho vontade de abraçá-la. Seus olhinhos muito escuros me olham de soslaio.

     — Bom dia, Luana. Essa é a Fernanda.

     — Bom dia, Márcia. Oi, Fernanda. Por favor, entrem.

     Meu estômago se revira por causa da bagunça que ainda está na casa. No sofá, almofadas fora do lugar e copos na mesinha de centro. Rafa chega enxugando as mãos e cumprimenta Márcia. Percebo que olha para a menina e sorri, um sorriso radiante.

     Conversamos sobre os protocolos e assinamos vários papéis. Rafa vai à cozinha e volta com suco e bolo de chocolate. É a primeira vez que vejo Fernanda sorrir. Ela come devagar, ainda com vergonha, mas olha de vez em quando para nós. Se lambuza toda com cobertura de chocolate, quando ela vai ao banheiro para se limpar, Márcia nos conta como foi difícil a vida da menina. Sua mãe era viciada e morou nas ruas; a garota passou por muitos abusos, fome e humilhações, mas já estava no orfanato há seis meses e apta à adoção. A mãe morreu de overdose e nenhum parente quis a criança. Mas agora ela tem um lar, não precisa mais se preocupar, todavia, demorará um pouco para entender como uma vida normal e boa funciona. Ela ficará conosco para a adaptação durante um ano; se correr tudo bem, pegamos a guarda definitiva.

Quando ela volta do banheiro e Márcia se despede, me agacho ao lado de Fernanda, seguro em suas mãozinhas e digo:

     — Quero ser uma mãe para você, quero ser sua amiga e te ajudar sempre que precisar. Você aceita?

     Ela fica em silêncio e lágrimas rolam por sua face infantil. Sem conseguir me conter, a abraço. Fiquei com medo dela se esquivar, mas ela me abraçou de volta, um abraço apertado e honesto. Rafa se junta a nós, e choramos.

     A casa continuou bagunçada, porque passamos o dia assistindo filme e comendo pipoca. A bagunça arruma depois.

     À noite, colocamos Fernanda em sua cama, seu quartinho todo decorado com prateleiras de bonecas e livros.

     — Boa noite, princesa. Amanhã será um dia lindo, você vai conhecer seus avós.

     — Obrigada. Eu adorei o dia. — Ela disse, finalmente.

     Rafaela e eu nos dirigimos ao quarto; agora, nossa família está completa. Não precisamos viver em num paraíso para que tenhamos uma razão para viver. Nos organizamos em nossa vida perfeitamente imperfeita.