Percurso - BVIW
A chuva era como pequenos bastões de diamante batendo de encontro ao vidro da janela do ônibus. Quando desembarcamos, eu e mamãe não tínhamos a mais vaga ideia de que rumo tomaríamos. Fomos para baixo da marquise mais próxima.
Vendendo balas no sinal enquanto mamãe fazia faxina, o dinheiro era pouco e vinha molhado do suor da canícula que tornava cada respiração um pequeno tormento. Às vezes mamãe deixava que eu chupasse algumas das balas na noite barulhenta sob o tremor do viaduto.
Na escola, eu me apaixonei pela professora de português, que lia alto para a turma as minhas redações. Mamãe me deixava na porta todos os dias, seu olhar quente nas minhas costas no tumulto da entrada, como fosse um abraço prolongando-se em mim.
Levei uma surra daquelas. Mamãe me pegou fumando maconha. Ela deu um jeito de mudarmos para uma casa perto da escola. Tinha uma mangueira enorme na frente.
Descobri que vender drogas era um dinheiro fácil. Nos dias de visita na prisão, mamãe não me dava um sorriso. Na verdade, mal olhava pra mim. Perdia alguma coisa no chão e não conseguia tirar os olhos de lá.
Mamãe morreu atropelada por um motorista bêbado. Minhas lágrimas se misturam com a chuva que cai como pequenos bastões de diamante vergando as folhas da única mangueira do meu pequeno quintal. Ela borra as letras que desenho, enquanto penso que vou escrever um livro, contando minha história e de mamãe.