O SONHO DE GODOFREDO

Badala o antigo relógio da mansão da Senhora Cristiana Gasparina, recém desencarnada deste mundo cruel e violento, as doze badaladas assustaram até o seu gato de estimação que dormia absorto em pensamentos na desaparecida dona, agora em outras instâncias mais harmoniosas. Esse relógio nunca badalou assim com esse estandalhaço todo e agora tirou onda com o pobre 'Mimi', xodó de d. Cristiana Gasparina, ou simplesmente Gasparina, como gostava que Godofredo a chamasse. Esse senhor a quem me refiro é o companheiro dela, era, melhor dizendo, com quem nunca quis casar de papel passado, não queria deixar sua fortuna para ninguém, nem mesmo para ele, mas gastava boa grana com 'Mimi', conhecido como "gato marajá" dada as mordomias que recebia.

Godofredo, lá no seu quarto nupcial, como gostava de tratar o seu lugar de repouso noturno, ouviu as badaladas do velho e imenso relógio de parede envernizado com esmero a mando da dona da mansão. Também achou estranho aquele soar de horas, meia noite em ponto. Ele às vezes pensava que a madame gostava mais desse objeto marcador de horas do que dele, mas na verdade ele pensava o certo, sua Gasparina nunca lhe deu tanta atenção como dava ao relógio. Ele sabia disso desde o começo dessa relação, há uns dez anos mais ou menos, logo quando o falecido marido desceu a tumba sem mesmo esfriar o corpo meio franzino, desproporcional ao dela, que só fazia amor no "torno", ou seja, ela por cima dele. E com ele era do mesmo jeito para esse ex-mordomo que caiu na graça da patroa que deixou de ser patroa para ser a sua mulher ali naquela mansão, só os dois e 'Mimi', mais ninguém.

Godofredo já estava acostumado a dormir só desde que Gasparina partiu para sempre, foi até um descanso para ele, pois agüentar aquele corpão por cima dele quase todas as noites não era um bom negócio, mas segurava a barra diante das mordomias a que passou a ter com ela. Desceu Godofredo do seu cômodo no primeiro andar e foi saber o motivo daquelas badaladas fora do normal e deparou-se com uma figura avantajada da mulher que queria fazer amor com ele ali mesmo na sala, num antigo sofá onde algumas vezes tiravam um "sarrinho" tomando umas boas doses de vinho. Necessitado devido a ausência de relações há algum tempo e perdendo o medo de assombração, topou a parada. Ali mesmo mandou ver, porém do jeito dele, nada de "torno", no que Gasparina concordou. Quando estava já "subindo pelas paredes" percebeu que estava só com a mão no seu objeto de prazer. Decepção, era apenas um sonho.

Moacir Rodrigues
Enviado por Moacir Rodrigues em 12/11/2023
Reeditado em 12/11/2023
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