Aposentada

A aposentadoria chegou e com ela a possibilidade de tornar real os planos de uma vida boa! Viagens, conhecer lugares novos, ter um hobby, fazer os cursos que sempre quis, acordar a hora que quiser, dormir de madrugada assistindo filmes, namorar, fazer novos amigos, dedicar à família, curtir minha casa, são planos que na vida toda pensava: “quando me aposentar.”

E aí chegou a grande vida boa! Nos primeiros dias senti como se estivesse de férias. Arrumar armários, cinema à tarde, shopping, ler na cama pelo tempo que quisesse. Tudo muito bom até que algo começou a incomodar. À princípio não consegui nomear o que sentia, só percebia que era uma felicidade que não era tão feliz como eu a idealizara. A faxineira me olhava meio enviesado e fazia cara de “Meu Deus! Quando ela vai sair deste quarto?”, as amigas ainda trabalhavam, o salão de beleza e a academia à tarde eram vazios. As pessoas não treinam à tarde, este é o horário de hidroginástica e pilates. O cinema e o passeio no shopping não tinham graça nenhuma sozinha. “Como gostar de sentar em uma praça de alimentação vazia e tomar um chopp sozinha?”

Os filhos trabalhavam. Viviam aquela vidinha que sempre achei ruim e sufocante: trabalho-escola-para casa das crianças-escolinha de futebol-balé. Não tinham tempo para me receber em suas casas. Nos fins de semana iam para churrascos, festas e jantares de amigos, que faziam no trabalho ou na escola das crianças. Eles viviam a vida que era como a minha no passado e que eu esperei por tanto tempo que acabasse.

E o marido? Vida que segue! Namoro, romance, companheirismo, vida finalmente vivida a dois. Só que ele não gosta de shopping, nem dos filmes que eu gosto. Jantares românticos todos os dias cansam, não existe romantismo e nem uma relação que sobreviva ao ócio.

Meus antigos colegas de trabalho viraram velhos ranzinzas com queixas dos seus problemas de saúde, cheios de restrições alimentares e manias. Fui umas duas vezes no meu antigo local de trabalho visitar os colegas que permanecem na monótona vida de trabalhador. São os mesmos que na minha festa de despedida me abraçaram dizendo que eu iria fazer muita falta e que nunca seria esquecida. Elas estavam com muito trabalho a fazer, reuniões, fofocas novas e me senti a mais naquele espaço. “Rei morto, rei posto.” Lembram?

Fui para as redes sociais e para o google. Fiz vários roteiros de viagens, mas as viagens acabam, tenho que voltar para casa, enfrentar a rotina e tentar achar algo que faça sentido. Mas resisti. Tenho todo o tempo do mundo e muita vontade de viver todos os sonhos adiados. O incômodo permanece, aquela sensação de falta, de não ter objetivo, de não planejar a vida, mas finjo que não percebo. “Frescura. Você tem a vida que todos querem. Viva, aproveite!”

Hoje, depois de ler por duas horas trancada no meu quarto, “só pra mostrar para esta faxineira quem manda nesta casa,” o celular tocou. Era meu marido muito feliz, dizendo que ia se aposentar, que estava sendo muito cobrado no trabalho e percebeu que tinha tempo para se aposentar.

—Vou ter tempo livre para viajarmos mais, estudar, fazer tudo que eu sempre quis.

Gritei no celular:

— Não faça isto. Você é muito novo para perder o sentido da vida. Acredita em mim, o trabalho é sua identidade, sem ele você ficará sem saber quem é, para onde ir e o que fazer. Não faça isto!

Desliguei pensando horrorizada no que eu tinha acabado de dizer. Entendi, em um segundo, o meu incômodo, “é sentir-se inútil e à margem da humanidade. Não fazer nada, não ter finalidade, não se ocupar, são formas de se anular para si e para os outros. Rotina, vida planejada e ações eram a minha maneira de ser feliz.

Márcia Cris Almeida

27 /03/2021