Presente de grego
Os brincalhões imortais do Olimpo estão sempre na expectativa de alguma travessura com os pobres e inocentes mortais! Foi assim quando as deusas Afrodite e Atena discutiam sobre quem era a mais poderosa e mais justa.
Zeus, onisciente, captou a discussão e sem nada que fazer, risinho entredentes, providenciou a traquinagem do dia. Passando-lhe pela mente a figura de Paris, príncipe de Troia, também chateado pelo tédio, Zeus resolveu sacudir o marasmo e sacramentar uma boa guerrinha.
- Minhas deusas, quero que Paris seja o árbitro dessa questão.
Surpreendidas com a interferência de Zeus, as imortais, meio sem graça, topam a parada e vão à luta. Baixam ao palácio, rodeiam Paris, enchem-no de gentilezas, cada uma à sua maneira, até que Paris resolve declarar Afrodite a mais justa e poderosa.
Atena não gostou, é claro, e já armava uma vingança qualquer contra a decisão de Paris, mas, como era a deusa da sabedoria sentiu-se envergonhada de si mesma por ter pensado em tamanha infâmia. Agradeceu a Paris por sua sábia escolha e subiu para casa.
Afrodite, que era a deusa do amor, em troca por ter sido escolhida como a deusa mais justa e poderosa, faz com que Helena, a bela esposa de Menelau, rei de Esparta, apaixone-se por Paris.
É preciso esclarecer, nesta altura dos acontecimentos, que não há indícios suficientes para se saber sobre os motivos que fizeram Paris ter preferido Afrodite, nem porque Afrodite escolheu Helena para se juntar com Paris. Com os deuses, como acontece com os mágicos, é assim mesmo, estalam os dedos e coisas surgem e desaparecem!
Quando Paris, assim de repente, magicamente, foi visitar a corte de Menelau, que ele não conhecia, o feitiço de Afrodite se materializou. Paris raptou Helena que, lânguida, se deixou raptar.
- Não é possível, Menelau! Você vai deixar passar isso em branco? Um troiano rouba a sua mulher e você fica aí, só embasbacado?
Afrodite, para completar o prêmio dado a Paris, faz o Menelau indiferente à tragédia, sem vontade de resgatar Helena!
- Não tenho cacife para atacar Troia, meu irmão.
- Eu vou providenciar isso para você. Meu sangue grego não suporta coisas desse tipo!
E Agamenon, rei de Micenas, que não estava enfeitiçado por Afrodite, mas devidamente sugestionado por Zeus, toma as dores do mano Menelau, reúne seu exército e vai em busca de Helena, sua cunhada.
Os gregos atacam com Aquiles, de corpo invulnerável por ter tomado um banho no rio Estiges, o rio infernal. Mas, Aquiles tinha seu próprio calcanhar de Aquiles, que não era invulnerável porque quando sua mãe o mergulhou nas águas do rio mágico, o fez de cabeça pra baixo segurando-o pelas canelas!
- Venha lutar conosco, Aquiles, nossos soldados conhecem sua força e habilidade no combate, e isso os motivará positivamente.
Aquiles foi à guerra a pedido de Odisseu, importante peça das fileiras gregas. No começo, os gregos obtiveram várias vitórias, mas a sorte mudou de lugar quando Aquiles foi atingido por uma flexa envenenada, exatamente no seu calcanhar esquerdo que, juntamente com o calcanhar direito eram os únicos pontos fracos do herói. Um azar nunca imaginado por nenhum grego, mas arranjado por Zeus para dar um pouco de incentivo aos troianos e alimentar a briga.
Os regos ainda não tinham conseguido escalar a muralha que circundava a cidade de Troia, e já estavam chegando no meio de uma dessas escaladas quando foram surpreendidos com muita água fervente, escudos velhos, catapultas enferrujadas, armaduras quebradas, pedras, ou qualquer outra coisa que os troianos tivessem às mãos, sempre derrubando os gregos que se atreviam a subir pela muralha. Então, Odisseu veio com uma nova e brilhante ideia.
- Vamos atacá-los de surpresa.
- Como, nobre Odisseu?
- Oferecendo-lhes um presente.
E, por alguns dias, os troianos lá de cima da muralha estranharam o silêncio dos gregos e logo pensaram numa trégua. Em seguida fizeram festa ao notarem que o acampamento do inimigo estava ficando desabitado.
Numa bela tarde ensolarada, um colossal cavalo de madeira começou a aparecer no horizonte deixando os troianos com a pulga atrás da orelha. Todos os gregos, assim parecia, foram chamados para empurrar o grande cavalo até perto da portaria de Troia.
No seu próprio cavalo branco e ajaezado o comandante grego tomou a dianteira e agitou sua bandeira também branca.
- Abram os portões, queremos falar de paz.
Feitas as negociações, os troianos aceitaram aquele gigantesco cavalo de pau como símbolo da paz oferecido pelos gregos, que iriam embora, sem nem mesmo levar Helena, o elo das escaramuças greco-troianas, aliás, já acostumada com a vida de Troia!
E assim foi feito. Os gregos deixaram o presente às portas da cidade, os troianos saíram, puxaram o cavalo cidade adentro, que foi admirado até a caída da noite quando todos foram dormir e o cavalão ficou ali abandonado na praça escura.
O presente foi desembrulhado, automaticamente, quando a noite fez silêncio total. O belo pacote continha uma porta camuflada que se abriu suavemente. Uma enxurrada de soldados desembarcaram da barriga do cavalão para mostrar aos bobinhos troianos o que era um presente de grego.
Zeus, lá no Monte Olimpo, ria às bandeiras despregadas ao vento, em saudação ao sucesso de mais uma traquinagem. Os deuses podem tudo!
Praia Grande, SP, 08/11/23