Desgraça - BVIW

Saiu cedo, com a mochila às costas. A mãe abençoou-o e ficou à porta, vendo ele diminuir, descendo o morro em direção ao ponto de ônibus. Os outros três filhos ainda dormiam. Que seria deles se não fosse o mais velho a assumir a responsabilidade pela família tão cedo? Começou a preparar o recheio das coxinhas. Graças à Deus recebera uma encomenda grande para aquela tarde. Haveria um evento de bacanas e alguém tinha feito uma propaganda muito elogiosa dos seus salgadinhos. Teria trabalho para o resto do dia, mas ia entrar um bom dinheiro. Pensou "vou comprar tênis novos pros meninos. O livro que o mais velho tanto quer e talvez um perfume para mim". Ah, como gostava de sair cheirosa para o samba nos finais de semana! O aroma do frango temperado logo encheu o cômodo, que era sala, copa e cozinha ao mesmo tempo. Os meninos acordaram para o café. Não tinha leite, era só bolacha. Talvez sobrasse um pouco de frango e massa para fazer ao menos uma coxinha pra cada um. Ligaram a TV. Um deles pegou caderno e lápis para o dever de casa, quando escutaram um barulho vindo dos fundos. Um vulto pulou no meio do que seria a cozinha e a polícia chegou atrás atirando. A mãe tentou proteger um dos meninos, mas foi atingida. O vulto pegou um depois outro e outro, como um escudo para se defender e cada um foi tombando na sua própria poça de sangue. Quebrou a única janela com um tamborete, mas o tiro o derrubou pelas costas. Quando chegou em casa, o coração do mais velho explodiu dentro do peito. Era dia dos mortos.

Ana Deister
Enviado por Ana Deister em 07/11/2023
Reeditado em 01/05/2024
Código do texto: T7926594
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