O SERINGAL

Esta é uma obra de ficção onde se mistura realidade com imaginação como é de praxe numa obra de ficção . O autor quer envolver o leitor com a realidade de dois tipos de povos sofridos nos arredores brasileiros . Tentou envolver , de modo conciso , à primeira vista a vida do ribeirinho colhedor de riquezas extrativistas e por outro lado envolveu ,de modo nem tão hábil, a história de um famoso cangaceiro que conseguiu quebrar o cerco da chacina cometida pelos soldados da volante do tenente João Bezerra em Angicos no sertão do Estado de Sergipe . Sabemos que não é nada fácil ligar as duas realidades ,pois uma é a realidade cheia de águas onde o caminho e o destino das pessoas é tomado pelas curvas dos milhares de quilômetros de rio da imensa bacia amazônica e por outro lado a realidade dura da seca na qual não nos demoramos pela obra ter ênfase na história do ribeirinho e por muitos não ter sido recompensado com sua aposentadoria devido a falta de organização governamental e também pela falta de alfabetização dos extrativistas que viviam expostos ao Deus dará nas selvas sem perspectivas de melhoras . Essa situação naquela época e até hoje chama muito a atenção da ganância de grilheiros que vendo um jeito fácil de controlar prováveis escravos no seio da floresta ,invadem os povoados ao longo das beiras de rios , todos armados e dispostos a matar ribeirinhos e nativos para acumular riquezas .

Quanto ao saudoso José Alves Matos também conhecido por Vinte e Cinco , foi uma homenagem ao meu querido Nordeste do qual nunca esquecerei e espero que se por acaso alguém que conheça a história deste tão famoso cangaceiro não venha nos interpelar por estar confudindo a história de uma pessoa . O fizemos de propósito e esperamos que sua descendência , que se por acaso chegue a ler esta ficção, nos perdoe como costumava dizer o rei do cangaço quando queria se desculpar . Um abraço bem forte aos leitores e boa leitura . Ler cria asas .

Queremos dar o muito obrigado ao Seu Anezo, nosso vizinho , que durante dias vinha contando histórias de suas infância na tal aldeia e que com muita paciência e prazer recontava sem saber que iríamos produzir este trabalho não tão significante como material literário, entretanto como memórias e denúncia serve para tais fins.

O SERINGAL

A lei do mais forte quer seja num mundo civilizado como dizem que é a sociedade quanto no seio da selva prevalece . Só que na selva, o animal predador mata para se alimentar e é só esta a única diferença que existe entre a fera da selva e a fera das cidades a qual também prevalecerá sobre a fera da selva , pois é inevitável o avanço das cidades sobre a natureza . O homem é o único animal que mata e destrói por prazer ou para fazer a natureza se adaptar à sua sobrevivência . É fato consumado que o mundo está fadado a perecer diante dos constantes desmatamentos para se construir cidades ,fábricas , hospitais , escolas , campos de cultivos e agro-indústria . Em consequência do aumento populacional descontrolado , além do desmatamento o ser humano consumirá de uma vez por toda as riquezas naturais no mundo em nome do desenvolvimento e da sobrevivência . É tanto que antes havia mais volumosos lençóis freáticos e se cavava um poço dando água a uns cinco a seis metros de profundidade e hoje vemos rios caudalosos como o Eufrates que é um rio histórico , seco e sem perspectivas de vida . Assim como o Eufrates temos vários exemplos de rios secos ao redor do planeta . Para se cavar um poço para dar água hoje em dia é com dezenas de metros abaixo da superfície da terra . Isso quer dizer que o humano está acabando inclusive com o volume de água . Todos sabemos que o nosso mundo também é um ser vivo com um núcleo ainda quente e em constante mudanças ,mas será executado pela ganância , arrogância e ignorância do ser nem tão humano . Agimos como uma praga de gafanhotos num milharal.

Numa tranquila e pacata aldeia de seringueiros e castanheiros por nome de Cruzeiro ao Sul do estado do Amazonas , próximo , vários quilômetros, à cidade de Manicoré a vida transcorria monotonamente : os seringueiros iam à noite cada um com sua poronga ( espécie de chapéu com uma lamparina ) na cabeça para iluminar a escuridão da selva . Pegavam seu barco um batelão onde três enormes tonéis de madeira calafetado como se fosse um navio , ficavam na popa ( parte traseira do barco ) para serem enchidos com o leite da seringa que vinham em baldes do seio da floresta . Atravessavam o largo Rio Aripuanã que desemboca no grande Rio Madeira e de longe na escuridão parecia uma procissão caminhando sobre as águas . Os extrativistas viviam como em cooperativas , mas naquela época nem se sabia o que era isto , nem tinham ideia de uma cooperativa juridica com CNPJ com as premissas de uma pequena empresa . Eles ficavam juntos para que numa eventualidade pudessem se unir e resolver os problemas. Essa história de cooperativa começou perto dos anos 2000 . Os seringueiros devem muito ao finado Chico Mendes que foi seringueiro e sindicalista . Era ativista político pelo PT e tinha ideias de cooperação entre eles as quais iam de encontro ao domínio pela lei do mais forte dos chamados coronéis de Barranco , pois foi por conta dessas ideias de colaboração entre os trabalhadores extrativistas que o Chico Mendes foi assassinado em 1988 em Xapuri ,no estado do Acre a mando de grilheiros .Ele foi e sempre será lembrado pelo extrativismo . É tanto que hoje existe o ICM BIO Instituto Chico Mendes que é voltado à pesquisa e à harmonia do homem ao meio .

Voltando ao nosso assunto dos seringueiros : o barco para eles era como se fosse o carro para o taxista hoje . Eles iam até a capital Manaus e lá vendiam a borracha ainda em estado bruto , também a castanha e o óleo de copaiba com o dinheiro apurado compravam alimentos para todos da aldeia e todas as coisas das quais precisavam . Voltavam com cortes de tecidos , sapatos , chinelos e outras indumetárias para as suas esposas que na ausência do macho eram elas que assumiam o posto . Pescavam , plantavam e colhiam e ainda faziam as tarefas domésticas . Quando os serigueiros chegavam da capital era uma festa daquelas e o forró comia solto no salão de reunião da aldeia da comunidade . Muitas comidas e o prato principal era o peixe de todas as formas . Só que no amanhecer tudo voltava à monotonia de colher o leite da seringa pela manhã e á noite irem fazer o corte ,que também é chamado de sangria ,no outro lado do rio na margem do lado de lá onde haviam muitas seringueiras ainda para serem exploradas. Fazia-se o mapa e o corte . O mapa é a limpeza da casca da seringueira onde o seringueiro irá sangrar a árvore . O corte teria que ser um corte quadrado o mais usado uma vez que se fosse um corte tamuatá ( escama de peixe ) poderia ferir a àrvore e ela poderia ficar por vários meses inutilizada para retirar o látex até sarar seu ferimento . O corte deveria ser feito à noite porque se fosse durante o dia o látex poderia coalhar com o mormaço e a quentura e assim se perder . O coalhamento do látex era feito especialmente pelos seringueiros . Assim os extrativistas faziam o corte à noite em centenas de àrvores e voltavam no meio da madrugada para casa e na manhã seguinte iam recolher o látex que ainda estava líquido .

Dentro da selva, eles demarcavam suas áreas linearmente cada um com sua marca pessoal nas árvores cortadas . Faziam o serviço ou na horizontal ou na vertical tomando como base a margem do Rio Aripuanã e o local de desembarque e cada seringueiro tinha seu companheiro que ficava vigiando os arredores para não serem pegos de surpresa pela pintada . Cada dupla ia com dois baldes para enchê-los com o produto da labuta noturna que os aguardava na cuia que ficava amarrada na árvore ainda vertendo o látex .

Voltando à aldeia , cada dupla cuidava em fazer os rolos de borrachas em seus cavadores ( bastão onde o seringueiro vai colocando o látex e defumando para ir formando uma enorme bola de borracha ainda em estado bruto ) : acendem o boião com a casca do babaçu retirado da mata ou faziam o fogo com o cavaco ( lascas de cascas de árvores ) . A casca do babaçu não produz chama , ela pega fogo soltando mais fumaça do que fogo e começam a defumar o látex ainda em estado líquido e o seringueiro molha a ponta do cavador com látex e vai pacientemente enrolando sobre a fumaça . Quando aquela camada está grudada ele molha novamente com mais látex e novamente vai rolando o cavador sobre o boião e a fumaça que sai dele. Com isso , a bola de borracha “in natura” vai aumentando e quando todo o látex é transformado em borracha está pronto para ser comercializado nos grandes centros ou pode se fazer trabalhos artesanais com a borracha que neste estágio pode ser cortada e formatada da maneira que o artesão quiser.

Essa técnica de fazer a borracha com o cavador era usada pelos seringueiros de antigamente , hoje em dia , o seringueiro usa produtos para coalhar o látex na forma que ele desejar . geralmente eles usam formas quadradas ou retangular para comercializar o látex “ in natura”. Se quiserem coalhar o látex já na forma igual a um pássaro, por exemplo, já existe esse jeito de se fazer o trabalho artesanal que é bem mais prático

Os Ciclos da Borracha

A borracha passou por dois ciclos no Brasil : o Primeiro ciclo foi com a motivação da segunda revolução industrial ainda no século XIX . O empresário queria fazer os pneus dos carros e presisava da borracha brasileira e , o segundo ciclo foi com a demanda de borracha na segunda guerra mundial . Inclusive alistaram milhares de seringueiros na época da segunda guerra como soldados da borracha . Antes dos alemães atacarem os navios brasileiros na costa brasileira no estado do Rio Grande do Norte a contribuição do Brasil era fornecer o látex para os aliados fazerem os pneus dos carros ,mas a partir desses ataques sofridos foi que o Brasil entrou com tropas de infantaria para a luta . A seringueira é originária do Brasil ( Hevea Brasiliensis ) , mas foi adaptada em terras da indonésia e na Oceania pelos Estados Unidos onde se adaptaram muito bem, visto que o transporte da borracha do Brasil ficou muito caro e difícil pelos longos caminhos via rios . Muita gente morreu com a temida malária e com outros perigos que se escondem nas selvas . Hoje em dia o maior produtor de látex de serigueira é a Indonésia , deixando o Brasil em segundo lugar .

Hoje em dia os pneus dos carros e outros veículos são feitos de material sintético ou derivado do petróleo quem usa o látex da seringueira são basicamente artesãos .

O Coronel de Barranco:

Bom, meus caros leitores , falamos mais ou menos sobre a seringa e o seringal para entrarmos realmente na história e nos personagens . Iremos contar sobre o Coronel de Barranco que é a figura que chega num desses povoados ribeirinhos acompanhados de capangas e tomam conta do local empregando a violência com o objetivo de cativar os seringueiros que na sua grande parte é de analfabetos . Chegam armados até os dentes ao local dizendo que comprou do governo a área em questão e que se os serigueiros quiserem trabalhar para eles serão bem recebidos , porém se não quiserem têm permissão de irem embora e, ai daquele que se opor à vontade do mandante . Essa figura apareceu com a demanda da borracha para a Europa , Estados Unidos e Ásia . Manaus naquela época vivia o auge da economia ( La Belle Époque ) e era uma das maiores capitais de estado do país . O Coronel de Barranco nada mais era e é do que os grilheiros que desde tempos remotos agem através da violência e da força . Essa figura se assemelha ao coronel político nordestino que mandava e desmandava nas terras tórridas do sertão nordestino , por conta dessa outra figura é que se chamavam esses perversos grilheiros em Coronéis de Barranco . Tinha a diferença de que o coronel nordestino mandava executar e esses dos quais estamos tratando eram classificados assim, porque ficavam no alto da margem da ribanceira dos rios dirimindo as ordens para seus empregados e capangas . Geralmente, eles carregavam um chicote de bater em mula , um revólver na cintura e vestia paletós, calças branca de linho e um chapéu panamenho na cabeça ,assim como os coronéis nordestino se trajavam . Quando não ficavam no alto da ribanceira ,essas figuras perigosas se enclausuravam dentro do seu barco e só saiam para açoitar algum escravo e depois executá-lo . Ali se jogava o corpo dentro do rio e as piranhas faziam o corpo desaparecer dentro de minutos . Ai daquele que tentasse escapar deles no meio da selva : ou a selva dava cabo deste ou os capangas do temível Coronel de Barranco . Geralmente , esses bandidos chegavam de surpresa no local e tomavam conta junto com seus capangas. Muitos deles já tinham outras áreas sobre seus domínios e queriam aumentar os lucros escravisando e tomando de assalto os locais de trabalho dos tranquilos seringueiros e castanheiros que viviam ao longo das margens dos rios da imensa bacia amazônica .

No início da década dos anos quarenta com o aumento da produção da borracha com a demanda da guerra chegou nessa aldeia por nome de Cruzeiro a qual ainda hoje é um povoado do extrativismo , chegou um sujeito por nome de Chico Brilhante . Ele vinha despercebido na aldeia de palafitas de madeira as quais ficavam uma aqui e outra acolá ,pois quando passava algum estranho naquelas paragens, o que era muito difícil, todos corriam para ver o barco que chegava na plataforma construída para o barco da aldeia ,cujo barco, tinha sido construído por Anezo de Toinha junto com seus companheiros de aldeia . Não era um barco bom , mas quebrava o galho, pois era um batelão estilo “viking” rústico que navegava bem com centenas de quilos. Não ficou empinado nem debicava com facilidade . Cada extrativista tinha seu remo para ajudar Anezo no seu ofício de marujo .

Esse tal de Chico chegou acompanhado com seis cabras todos armados de Winchester chamado de papo amarelo pelos atiradores ,calibre 44 , reivindicando as terras com um papel nas mãos dizendo que havia comprado essas terras do governo e que seus trabalhadores iriam colher o látex para os aliados da segunda grande guerra . Foi chamando todo mundo para se juntar no salão de reunião que ficava no meio da aldeia para mostrar os papéis e dar as suas ordens como novo dono do local segundo o governo . Foi logo dizendo :

--- Quem não tiver gostando pode ir que ainda dá tempo ,mas quem ficar vai colocar o nome aqui que eu vou levar a lista para o governador alistar nas tropas como soldado da borracha . Terão um salário e o país precisa de todos agora neste momento de guerra . Alimentos , roupas , remédios e o fardamento é por conta do estado . Tem um outro detalhe, cambada ,se alguém desistir e quiser fugir vai ser considerado como deserção e o cabra pode ser preso e pode até ser levado a julgamento e ser considerado traidor da pátria chegando a ser condenado à morte .

Todos calados olhavam atentamente para o senhor que falava arrastado como se praguejasse a alguém, uma voz feminina pergunta :

--- As mulheres serão alistadas também ou pode ir embora ? Era a Dona Mariza esposa do Raimundo Nonato que não concordava com a situação e já pedia ao Raimundo para irem embora . Raimundo era nordestino e dizia que era do Ceará , calado , muito tímido ,franzino , mas muito rápido na peixeira . Andava sempre com uma faca de doze polegadas na cintura . Dizia sempre que tinha pego o hábito de estar com a arma branca na cintura . Mas ninguém nunca viu ou ouviu algo sobre sua vida anterior no nordeste e o porquê de ele ter vindo de lá para cá . Sempre calmo Raimundo fala para Mariza :

--- Mulher , fique calma que você está muito nervosa .

E o Chico Brilhante respondeu para a Dona Mariza :

--- Se a senhora ou outra pessoa quiser ir embora pode ir . Mulher não faz muita falta não . Mas tem que ser logo. Quem não souber assinar é só dizer o nome que eu faço no papel e você coloca um X confirmando a assinatura .

Enquanto Chico Fazia as apresentações como o novo comandante da tropa que não tinha soldados mas simples seringalistas , extrativistas acostumados com a lida na selva e a passar necessidade no meio do nada e a enfrentar feras das matas , quatro cumpinchas seus se espalhavam estrategicamente rodeando o povaréu no pavilhão e um outro ou tinha mais de um ficaram guardando o barco mais bonito e bem cuidado que até aquele dia tinha atracado naquela platafoma .

Uma grande parte dos homens aceitou ser soldado da borracha, porque já tinha ouvido falar sobre isso na cidade ,mas tinha outros assim como o Anezo, que não aceitaram a proposta e foram se retirando do local descendo o barranco do rio junto com grande parte das mulheres.

Ao longo de uma hora e meia quem sabia assinar tinha assinado e quem não sabia assinar tinha passado um X bem grande no final do seu nome para confirmar que era de fato seu nome . Quem não assinou e não tinha concordado em ir embora da sua casa ficou naquele entrave e Chico deu 24 horas para desocuparem o local que iria colocar fogo na casa .

O mandatário , Chico, perguntou onde ficavam o produto do trabalho e todos apontaram para o barracão no final da vila que parecia mais uma casa . Lá estava todo o produto do trabalho dos extrativistas que estavam guardando para acumular e irem vender em Manaus . Chico apontou para dois seringueiros e disse:

--- Você e você irão pegar a carga e colocar no meu barco . Vá com eles Tião – Tião era um dos capangas que ficava na retaguarda do chefe . Os dois escolhidos olharam-se mas sob ameaça de um papo amarelo americano não tiveram escolhas . Foram –se com o Tião até o barracão e cavado por cavado, caixa e malotes iam descendo a ribanceira até o barco deixando o trabalhador sem o produto dos seus esforços .

O Chico novamente pergunta :

--- Ainda tem gente que quer desistir de ir que está na hora ainda ,mas se quiserem ir embora tem que ir agora .

Tião acende a tocha e joga no barraco vazio deixado pelo Anezo , esposa e filhos o qual começou a arder elevando-se altas labaredas na madeira seca e logo após despencando da altura como se alguém tivesse dado uma rasteira no barraco .

Isso já estava escurecendo e a história monótona , tediosa do início começou a tomar outros ares de tristeza , surpresa , perdas e adeus .

Muitos dos extrativistas que não concordaram foram se alojar no barco coletivo da aldeia , com o intuito de se prepararem para viajar para Manicoré que ficava mais perto e outros descendo o Rio Aripuanã e pegando o enorme Rio Madeira seriam deixado em Porto Velho e de lá tomariam novos rumos na vida .Nessa ida , o barqueiro Anezo de Toinha teria que deixar a turma nos locais que fossem pois era ele quem tinha experiência nas navegações naquela zona . Anezo disse que voltaria para fazer parte da lista de soldados da borracha ,mas algo dizia a ele que o melhor era dar o fora e viver como barqueiro em Porto Velho . Dona Mariza era uma dessas pessoas que decidiu partir e deixou Raimundo Nonato para trás . Ela ia para a casa da família em Porto Velho . Daí a meia hora ,já escurecendo ,o barco coletivo foi subindo devagar o grande Aripuanã levando os desolados insatisfeitos com a situação rumo a novos destinos . Dois ou três dias depois desembocaria no Rio Madeira e de lá chegariam em Porto Velho.

Anoiteceu na aldeia e quem ficou para trás já tinha ouvido falar sobre a guerra nas idas à capital ou em Manicoré e conversavam na situação de ficarem trabalhando sem saber se realmente tudo o que aquele sujeito de barbas escuras e longas por nome de Chico Brilhante era verdade ou não. Os homens confiavam porque viram um papel, mas a maioria era analfabeto , muito mal sabia desenhar o nome e estavam questionando se era verdade o que aquele coronel de barranco estava falando . O mandatário não tinha jeito de militar e por que entregaram as terras para ele ? De longe se ouvia os urros das onças e muitos foram dormir nos seus casebres . Amanheceu com poucos extrativistas no salão abordando o assunto que todos questionavam e não tinham certeza de que aquele sujeito estava falando a verdade . Alguns barracos ainda ardiam em brasa .

Chico Brilhante levantou cedo e falou que ia levar o produto para a capital e voltaria na semana seguinte com fardamentos e alimentos para todos . Disse também que ia deixar quatro cabras seu para vigiar e dar “segurança”. Desapareceu descendo o Aripuanã em direção à capital com seu motor de popa esfumaçando . Ia carregado de riquezas da selva da aldeia Cruzeiro e ninguém sabia se ele voltaria .

Um capanga do Coronel Chico Brilhante ,por nome de mão de onça , um sujeito alto e forte com uma mão grande que parecia mais uma raquete de tênis . Era um paraense safado que depois ficou-se sabendo que era assassino , estuprador ... era um clínico geral em termos de bandidagem , muito perigoso ficou também tomando conta da aldeia e logo quando amanheceu , assim que o barco do Chico Brilhante ia desaparencendo no horizonte , foi acordar os trabalhadores para tomarem seus postos de trabalhos na maior ignorância . Iam colher o látex das árvores do lado de cá , do lado da aldeia que estavam ainda em resguardo , pois dura três meses para se fazer nova sangria . O tempo mínimo são dois meses e elas tinham sido sangradas não fazia dois meses . Eles explicaram e o tal de Mão-de-Onça não quis saber de explicações e foi colocando todo mundo em fila para a selva e pegou o Raimundo Nonato , o marido de Mariza da Silva , que era muito franzino ,como bode espiatório :

--- Vamos , vagabundo preguiçoso . Quero todo mundo se mexendo .

Raimundo calmamente se levantou do banco feito com paus e uma quadra de forquilhas que segurava os paus e, perguntou o nome do brabão :

--- Moço , como é o seu nome ?

Mão-de-Onça responde :

--- Aqui no momento sou seu Deus e seu Satanás e se você não se mexer é menos um . Aí ele foi se chegando perto de Raimundo na maior confiança , visto que Raimundo perto dele era uma criança .

Conforme ele chegava perto do nordestino ,este deu um passo para trás e se livrou das mãos enormes do paraense e do nada uma faca apareceu na mão direita do seringueiro , uma enorme peixeira de doze polegadas e, com uma manobra exemplar de um cabra acostumado a brigar elevou o cano da arma do seu oponente com o braço esquerdo e cravou a lâmina da arma branca no abdômen do Mão-de Onça que com um um urro de dor foi se curvando sobre si e apertou o gatilho com o cano elevado para cima o qual projétil se perdeu no ar e Raimundo retirou a faca com destreza do bucho do cabra e sangrou o meliante como se faz com um porco no matadouro sujando todo chão lamacento com o sangue do bandido . Isso dentro de frações de segundo . Ao mesmo tempo que Raimundo executava essas manobras dizia assim :

--- Olha como você fala com um homem , seu cabra . Era isso o que você queria !

Os outros bandidos estavam olhando , mas nada melhor do que a surpresa ,porque ningúem esperava aquela velocidade daquele cabra tão esmilinguido e quando pensaram em atirar no cearense , este já estava mirando a arma do Mão-de-Onça para eles dizendo:

--- Quem se mexer leva chumbo . Vão deitando com a cara no chão e soltem logo as armas , seus cabras .

Aí os trabalhadores invadiram a festa e amarraram os três cabras restante deixando o paraense para as piranhas devorar jogando-o ao rio . Logo em seguida, começaram a inquirir os meliantes quais eram as reais intenções deles naquela pacata aldeia e começaram a torturar os bandidos até que ficaram sabendo que o tal Chico Brilhante era um cabra safado que andava com aquele papel pelos rios fazendo vítimas , dizendo que era representante do governo do Brasil . Os bandidos pediam pela vida e juravam nunca mais voltar ali . Os seringueiros concordaram em não matá-los até seu patrão chegar e, assim, armaram um plano para pegar o tal Chico na surpresa quando ele chegasse .

Ficaram na aldeia uns vinte homens entre adolescentes e adultos e quem bolou esse plano foi o Raimundo Nonato .

Raimundo Nonato era um cangaceiro do bando de Lampião fugitivo do Nordeste do Brasil . Ele havia escapado de Angicos no fragor da emboscada que a volante do tenente João Bezerra da Silva fez ao famoso cangaceiro . No momento do ataque a Lampião, Raimundo que havia mudado de nome . O nome dele era José Alves de Matos , parceiro do famoso cangaceiro Lampíão , conhecido como Vinte e Cinco , nem também era cearense , era pernambucano , estava buscando água num poço distante um quilômetro do local . Ia voltando para o acampamento com o amanhecer quando ouviu os tiros e voltou rapidamente com os burros e os toneis amarrados ao lado dos burros numa cangalha . Tinha fugido primeiramente para o Goiás e depois para o Amazonas onde conheceu Maria Clara na cidade de Manicoré e se juntaram . Ninguém sabia disso nem mesmo a mulher dele , pois sua cabeça era posta a prêmio no Nordeste . O nome de todos os cangaceiros tinha sido colocados a prêmio pelo governo do Brasil ,naquela época , época do governo de Getúlio Vargas . Muitos que não estavam no local do massacre fugiram para outras paragens e muitos foram caçados, perseguidos e mortos pela polícia . Não havia só um grupo ,era um batalhão de cangaceiros liderados por um cabeça que era o Lampião e havia sub-comandantes de grupos como era o caso de Corisco e tantos outros . Corisco era um dos maiores amigos do rei do cangaço e foi morto também quando queria vingar a morte do amigo no estado da Bahia .

Voltando à história da aldeia de extrativistas ,o plano era os meninos esperarem pelo Chico Brilhante na beira do rio , na plataforma elevada e ,mostrar que tudo estava bem e daí acompanharem o bandido dizendo que seus cabras estavam jogando cartas juntos com os homens no salão .

Não se sabia se o bandidão iria chegar com mais comparsas ,pois dissera ele que voltaria com roupas e alimentos e precisava ter gente para carregar e para dar segurança nessas viagens . A segurança de dois cabras só não bastaria e assim os meninos ficariam na beira do rio para receber o facínora e levar as compras para o barracão , porém os outros iriam ficar de tocaia nos matos da ribanceira com as armas tomadas dos bandidos presos .

Passou uma semana e meia quando as sentinelas colocadas em pontos estratégicos avistaram o barco que vinha fumando parecendo o caipora e gritaram para os homens que se esconderam em pontos estudados antecipadamente e quando o barco atracou na plataforma os meninos foram receber o tal Chico Brilhante que de imediato perguntou:

--- Onde estão os outros ?

--- Seus homens estão jogando cartas no salão mais os outros – responderam sem deixar escapar nada .

Vinha com o Chico , além dos dois que ele tinha levado mais dois que ninguém tinha visto .

Os meninos disseram que estavam ali para ajudar a descarregar . O coronel agradeceu aos meninos e mandou que seus quatro homens se espalhassem : dois lá na aldeia e dois na plataforma juntos com ele . Falou para os meninos o que deveria ser carregado e eram muitos sacos com comidas , litros e toneis de gás e de bebidas .

Os dois bandidos caminharam na frente dois ficaram para trás . Os homens deixaram esse dois passar e o alvo era o Chico que quando os meninos começaram a carregar as compras ,acompanhou-os até uma certa altura da subida que de imediato apareceram de dentro dos matos quatro seringueiros armados e Raimundo com experiência de lutas mandou os meninos pegarem as armas dos dois que iam na frente e dos que ficaram para trás . Os homens que estavam com ele tomaram conta da situação .

Chico Brilhante gritava que aquilo era um motim e que o exército iria enforcar todo mundo sem saber que seus plano estavam no final .

Ninguém sabia navegar . Eram simples seringueiros e amarraram todos eles no barco . Estavam piados : as pernas atadas às mãos pelas costas . Daí perguntaram quem era o barqueiro que os trouxeram até ali e um dos bandidos falou que era ele . Desamarraram esse bandido e o forçaram a guiar o barco rio acima até Manicoré que era mais perto . O bandido estava com os pés atados e na mira de um cano .

Chegaram em Manicoré dois dias depois e atracaram no cais do porto da cidade .

Raimundo diz que o bom era que uma equipe de seringueiros fosse à delegacia e outra equipe fosse ao quartel da polícia mais próxima informar o ocorrido ,mas ele ficaria tomando conta dos bandidos ( Raimundo era mais cismado com polícia do que medroso passando na frente de cemitério ) e, aí foram duas equipes de quatro homens cada para a cidade e o restante ficou tomando conta dos bandidos que estavam fortemente amarrados , piados como dizem quando se amarra cavalo pelos membros .

Não demorou meia hora apareceu uma das equipes com um cabo e dois soldados que faziam a segurança de toda a cidade e o cabo exclamou :

--- Coronel Brilhante ! quer dizer que o senhor enganava todo mundo com aquele papel dizendo ser representante do governo?

Outro soldado que havia chegado de Manaus a poucos dias disse :

--- Eu conheço esse velhaco por nome de Lindoso . Ele tem uma casa enorme no centro de Manaus e sua família é rica . Tem propriedades por todo canto !

Raimundo diz:

--- Desse jeito só podia ter . Roubando as borrachas dos ribeirinhos e vendendo dizendo que é representante do governo ! Não é só as borrachas não , esse bandido leva as castanhas e o óleo de copaíba que o povo consegue trabalhar com essa história de representante do governo . Por mim já teria dado fim a esse vagabundo .

Nesse momento ia chegando o delegado que tinha acabado de chegar da capital junto com o juiz da comarca que conheciam também o tal de Lindoso ou mais conhecido por Brilhante . Os soldados desamarraram os pilantras e puseram-nos para andar rumo ao centro e isso foi passando de boca em boca até chegar nas aldeias dominadas por esse bando que eram muitas ao longo do rios da bacia amazônica .

O caso também chegou ao conhecimento do governador do Amazonas que naquela época era o Álvaro Maia que de imediato mandou carta parabenizando a polícia da cidade e perguntando na carta se havia alguém para se alistar nas fileiras do exército como soldado da borracha.

Muitos aceitaram trabalhar para o governo e morreram sem ser recompensados pelos trabalhos prestados ao país num momento de tanta precisão e outros que viveram durante muito tempo na esperança de serem lembrados foram recompensados com uma gorda aposentadoria federal de soldado da borracha .

Uma semana após o ocorrido no cais de Manicoré onde os seringueiros foram considerados como herois , o cabo josé Félix que comandava a guarda da cidade e às vezes fazia o papel de polícia ,delegado e juiz diz que o barco dos bandidos será posto à leilão para ressarcir os prejuízos dos extrativistas e esse leilão seria realizado na praça da estrada de ferro Madeira Mamoré na cidade de Porto Velho, visto que era a maior cidade naquela região e tinha mais gente endinheirada .

Raimundo aproveitou e perguntou ao cabo se poderia pegar uma carona com eles até Porto Velho , pois sua esposa teria ido para lá para a casa de uns parentes. O cabo ficou muito contente e disse que seria um prazer levar um dos herois até lá .

Chegando em Porto Velho Raimundo Nonato Procura sua esposa e pergunta se ela gostaria de ir para o Nordeste com o mesmo, pois ele teria problemas pessoais para serem resolvidos no Nordeste . Mariza respondeu que sim . Aí Raimundo lhe diz :

--- Você não sabe quem eu sou e vou abrir o jogo com você agora que é para você pensar se vai ou não vai – Pigarreou como quem retira algo da garganta – Mariza , eu nunca lhe disse a verdade da minha vida ,porque gosto muito de você e nunca queria lhe perder ,mas se você vai comigo ao Nordeste vai ter que ficar sabendo da minha vida por lá .

Assim ele explicou tudo como era e que tinha deixado dinheiro enterrado na raiz de uma gameleira na cidade de Exu na divisa de Ceará e Pernambuco . Lá ele era conhecido e era arriscado ser morto , mas Mariza disse que ia.

--- Então vamos – Disse Raimundo que passou a ser chamado de José Alves por Mariza, aí ele pediu para não mudar para seu nome verdadeiro .

Passou-se muitos dias nessa jornada do Norte do Brasil até chegar no Ceará e de lá para Pernambuco no Nordeste brasileiro . Lampião era um mito como ainda é até hoje e todos juravam como todos os cangaceiros tinham sido mortos e os que tinham fugidos não voltaria para o Nordeste , porque seu pescoço iria se soltar do corpo e José Alves com essa vontade de viver o resto da vida numa vida digna com a sua amada estava se arriscando a ser pego pela polícia e era muito estranho aquilo : no Norte ele era um heroi desconhecido e no Nordeste era um bandido famoso , mas já fazia quinze anos do acontecido em Angicos e ele tinha mudado muito ,talvez ninguém o reconhecesse . Eles iam nessa confiaça do não reconhecimento e passaram o dia numas paragens no Estado do Ceará perto de Exu e quando foi se aproximando a noite eles se movimentaram para a tal cidade e chegando na entrada viram a frondosa gameleira que balançava no ar como se fosse um estranho espantalho . José disse :

--- Mariza ,tu vai cavar e eu vou ficar olhando se vem alguém . Isso era de madrugada e a cidade dormia como se fosse um bebê .

Mariza cavou no local indicado e deu de cara com duas caixas repletas de notas de réis . Tinha milhares de réis nas caixas e dois sacos com jóias de todos os tipos e todas de ouro e brilhante . Mariza ficou maravilhada com aquela fortuna e colocaram tudo dentro do saco que levavam como se fossem mendigos . Cada saco com roupas sujas e cheios de notas, moedas e jóias saíram caminho a fora saindo da cidade e se escondendo quando ia amanhecer . Estava agora no centro do estado de pernambuco e José disse que ia visitar uns parentes da família de Lampião para as bandas do Sergipe e caminhariam durante a noite e descansariam durante o dia . José foi matutando pelo caminho enquanto andavam a noite decidiu se entregar à justiça uma vez que já tinha se passado tanto tempo .

A dupla de maltrapilho entrou na cidade de Aracaju e foram direto para a casa dos Ferreiras que haviam sobrado familiares do rei do cangaço . Tomaram banho e de imediato compraram uma casa . O antigo cangaceiro chamou a esposa e disse :

--- Mulher, vamos fazer investimentos com aquele dinheiro em terras e gados . Sei que você irá saber fazer a coisa certa e eu vou entregar-me à justiça para cumprir com a minha pena . Ela começou a chorar , mas concordaram que seria melhor assim do que viverem se escondendo de tudo e de todos .

José ou Vinte e Cinco passou quatro anos pagando sua pena em regime semi fechado . Ele era uma lenda e depois foi perdoado pelo governo por ter se entregado . Ele e Mariza viveram juntos por 55 anos e tiveram filhos e o antigo cangaceiro heroi desconhecido no Norte e bandido famoso no Nordeste teve sua passagem no restante desta vida em paz .

FIM

Porto Velho : 27/10/2023.

Professor J Silva
Enviado por Professor J Silva em 28/10/2023
Reeditado em 21/11/2023
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