BALAS PERDIDAS (Cristina Gaspar vai se achar aqui)
Um tiro soou naquele canto da sala onde Cristina estava em seu merecido repouso, afinal fazia poucos dias que se submetera a uma cirurgia. A bala passou raspando em sua cabeça levando uma pequena mecha de cabelos, o que a deixou um pouco perturbada. De onde teria partido aquele disparo? O que estaria acontecendo? Lembrou-se que morava no Rio de Janeiro e isso não passava de uma trivialidade. Enfim o silêncio reinou, ou seja, voltou ao normal, ela poderia continuar repousando, mas sua intuição a levou até a janela, queria ver se algo, além do trivial, estava acontecendo. Com efeito, ao postar-se no peitoril da janela percebeu um ônibus em chamas. Assustou-se por se assustar, pois sabia que poderia encarar aquela situação como uma coisa normal. Passageiros desciam assustados do coletivo enquanto meliantes tentavam atear fogo em outro ônibus que estava nas imediações. Nisso, outro balaço, novo susto. Outra bala perdida passou raspando pela cabeça de Cristina, que soltou um grito fofo e afastou-se da janela. Dessa vez a bala triscou em um de seus brincos arrancando-o da orelha, que começou a sangrar.
Enquanto nossa amiga cuidava de limpar a orelha ferida e se protegia melhor, lá fora o buruçu começava e gritos eram ouvidos, tanto de passageiros que desembarcavam às pressas do ônibus como de traseuntes que procuravam se proteger dos disparos de armas de fogo que ninguém sabia de onde vinham. Nem deu tempo dela fechar a janela, acuada em um cantinho atrás do sofá, já quase cheirando o chão, Cristina rezava para que tudo terminasse. A fumaça negra dos incêndios começava a penetrar pela janela e ela não teve outro jeito senão criar coragem e fechá-la, mesmo se arriscando a levar outra bala perdida.