Nunca é apenas um jantar

O fim da tarde caía. Gideon Argov pincelou com suavidade o rosto de Maria Madalena. Ele abaixou a lente sobre os olhos e se concentrou nos detalhes. O rosto trazia leves ranhuras. Era a segunda semana em que ele se concentrava apenas no restauro do rosto dela.

Estava trabalhando no Museu Nacional de São Marcos, numa série de afrescos em Florença. Diferente das pinturas óleo sobre a tela, os afrescos eram pintados em tetos ou paredes sobre o gesso ou argamassa. Isso influenciava a quantidade de tintas para adquirir o tom certo de cor. Era um trabalho mais demorado que requer extrema habilidade.

Quando o relógio bateu cinco horas da tarde, Francesca o chamou. Os trabalhos estavam encerrados e Gideon Argov dessa vez precisava cumprir os horários como todos.

Francesca era uma italiana de cabelos negros como a noite e olhos azuis como um lago limpo. Era conhecida como uma sedutora de homens (e mulheres segundo alguns sussurros) ela vinha tentando, através de brincadeiras e toques sutis, arrastar Gideon para a sua casa próximo ao rio Arno. Gideon evitava com educação e bom humor. Ao mesmo tempo em que a italiana achava que iria fisga-lo, ele escorregava para longe.

Ele limpou seus pinceis e desceu o andaime. Vestiu a jaqueta de couro em seguida, e seguiu com a equipe para fora. Ele se vestia de modo simples, camisa abotoada até a gola, um jeans azul manchado com respingos de tintas e a velha jaqueta de couro.

Antes de alguém se manifestar em chama-lo para ir beber e comer com eles, Argov escapou em silêncio.

Foi com certa surpresa que ele encontrou Francesca, minutos depois, em seu carro esperando-o quando ele estava prestes a atravessar a rua.

Não pretendo deixar você escapar, signore Argov.

Ela usou seu sorriso mais sedutor. Gideon enfiou as mãos nos bolsos para se proteger do frio.

Penso que não Francesca. Ainda sim, eu tento.

Olha mio caro, está frio estamos nessa de gato e rato há meses. Vamos para minha casa. Tenho um bom Sancerre e bruschettas. Apenas um jantar que tal?

Argov sorriu. Balançou a cabeça não acreditando. Entrou no carro de Francesca.

Nunca é apenas um jantar... Pensou.

Wesley Rezende