Releu “Mar Português” [i] publicado como edição de bolso. Queria sentir a poesia, mas seu pensamento se voltava para o perigo do mar.

Será que vale a pena navegar?

É preciso dobrar o Cabo do Medo?

Será, necessário, será seguro?

E se o navio naufragar?

Se é verdade que “Deus deu ao mar o perigo e o abismo[ii]” Já não bastava o perigo, já não bastava o abismo?” Mas, logo lhe veio a consolação: “Nele é que espelha o céu[iii].” Nele Deus, Fernando, ou nele, o mar? Talvez seja nele, o perigo, ou nele, o abismo.

Conhecia pouco a história da navegação, e, de passagem pelos anos setenta, Antes de Cristo, não bateu continência ao general romano.

 Irreverente, Robert protestou:

“Pompeu, é preciso viver; navegar não é preciso não!”

Seu pensamento foi mais longe:

Não é preciso navegar.

Não é preciso viver.

É necessário, nem sempre preciso.

É necessário aproveitar cada segundo da vida, como se fosse o último.

Pode não ser seguro, mas é necessário.

É preciso viver intensamente a vida, até ser apanhado pelo anjo morte.

Avaliou os prós e os contras do projeto de viajar em Cruzeiro Internacional.

Hesitou.

Não sabia nadar, e se viesse a dar em águas profundas, as ondas, por certo, o cobririam.

Pensou em desistir.

Não é seguro navegar.

Como seria a Lua de mel no mar salgado?

Como seria a Lua de mel dos afogados?

 Ó mar salgado, doce lar do marinheiro, afasta de tuas águas o navio negreiro, a procela, a dor, e que nelas naveguem tão-somente escravos livres, livres escravos do amor.

 Confuso, deu a Ravenala os pêsames pela viagem, e os parabéns por morte do tio Ramires.

 — Revés da sorte, — lamentou Daniel, que também estava no Terminal Marítimo de Passageiros:

“Se queres, podemos cancelar a viagem.”

— Não, não, respondeu Ravenala. — Não tínhamos afinidade com o tio Ramires. Muito ausente, ele era apenas mais um marinheiro a dizer que já ouviu o canto da sereia. Não nego que suas longas viagens em águas estrangeiras me fascinavam, mas não sei até que ponto são verdadeiras todas aquelas histórias que contava, ou se vinham da mente fantasiosa de quem viveu a maior parte de sua vida em alto-mar.

Olhou para Daniel e disse com voz firme.

— Vamos, está na hora do embarque!

– Bem-vindos à única réplica do Sutton Hoo existente no mundo — disse o comandante Mark Smith.

A mão estendida de um comissário de bordo apontava a direção do embarque.

Entraram.

Ravenala contemplou a imensidão das águas.

Desejou ser a pedra sobre a qual, linda sereia vem, diariamente, tomar seu banho de sol.  Não, não! Melhor ser ela mesma em pessoa de carne e osso, morar na Ilha das Sereias, sentar-se numa pedra com uma delas e ouvir as histórias que a sereia tem para lhe contar.

Zarparam.

O céu estava limpo.

Ondas amenas quebravam fraquejadas, no suave balanço das águas.

O navio deslizava, suavemente, na superfície ondulada.

Vale a pena navegar  - pensou - vale a pena singrar os grandes mares, contar as estrelas, pegar a Lua com a mão.

Era hora da estrela.

Envelhecido, o Sol inclinou-se, beijou o mar, e, deitado sobre as ondas, desapareceu.

Despertada, a Lua a surgiu no céu.

Foi a primeira noite em alto–mar.

 


[i] Mar Português da obra Mensagem, de Fernando Pessoa

[ii] Versos do poema “Mar Português”, Fernando Pessoa.

[iii] Versos do poema Mar Português”

 

***

Adalberto Lima

Trecho do livro Estrela que o vento soprou