Fidelidade

Hoje é meu aniversário. Estou completando dez anos muito bem vividos. Apesar das brigas com meus irmãos na infância, tive o carinho de ter uma família que me ama muito.

Só havia um problema. Um membro dessa família adorava dar pontapés nos meus semelhantes que vieram antes de mim e me perguntava se teria o mesmo destino deles.

Quando vim ao mundo, a mãe dele dizia que a minha nada sentiria. O famoso “não dá nada”. Eu e meus sete irmãos somos a prova viva de que daria tudo e mais um pouco.

Curiosos que somos, encontramos um passarinho bem apetitoso e de comum acordo, resolvemos devorá-lo. Mal sabíamos que a ave era intragável e aquele mesmo membro da família tentou salvar a gente de uma indigestão mortal. Eu e cinco dos meus irmãos tivemos sorte, mas os outros não resistiram e morreram. Nossos estômagos não estavam preparados para esse tipo de iguaria.

Fiquei triste por eles, mas precisava focar-me na minha missão de trazer alegria para aquela família, especialmente aquele que distribuía pontapés e golpes de calcanhar no estilo Sócrates.

O tempo passou e ele continuava resmungão como sempre. No entanto, nunca nos deixou faltar a ração nossa de cada dia. Era uma festa.

Havia ainda o medo de que me desse um chute por qualquer motivo. Isso terminou de uma forma quase trágica.

Vi-o ser levado quase inconsciente dentro do carro pro hospital. Achei que ia morrer. E estava comendo o que mais gostava, um cachorro-quente.

Não queria a morte dele porque sempre esteve do meu lado, mesmo não sorrindo nada.

Os dias passaram e ele havia voltado com as rações. Vi algo diferente nele. Parecia mais feliz e se abriu comigo. Lágrimas caíram por seu rosto como se estivesse pedindo desculpas a mim pela raiva que teve por todos esses anos.

Eu o compreendia. Seus semelhantes o tratavam como lixo só porque era diferente deles. E tinha que descontar essa dor em alguém.

Qual foi minha surpresa quando vi meu prato de ração bem cheia ao lado do de minha mãe. Comemos com vontade redobrada.

Mas as surpresas não pararam aí. Ele pegou uma garrafa pet e amassou o suficiente pra formar um brinquedo.

E o lançou. Fui correndo pra abocanhar e o trouxe de volta a ele. E finalmente sorriu depois de tantos anos de casmurrice.

Perguntava com meus pelos o que havia colocado naquelas rações pelo fato de eu também estar contente.

Até hoje, continua brincando comigo pelo menos duas vezes por dia.

Acredito que aprendeu a coisa mais importante para seres como nós.

A amizade. A lealdade. A fidelidade.

Fico satisfeito por ter colaborado em ajudá-lo no processo de aprender todas essas lições.

E que venham mais rações no meu prato.

MarioGayer
Enviado por MarioGayer em 15/10/2023
Código do texto: T7909261
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