Encontros e desencontros
Diferentemente da química onde os iguais se repelem na vida real, similaridade ajuda a unir pessoas. Em andanças pelas ruas da pequena cidade lhe chama a atenção um igual brincando em perfeita harmonia consigo mesmo. Não o conhece e, mesmo tímido, se aproxima e fica a observar a brincadeira contada através da fala, movimentos e gestuais criados no exato momento. Não identifica o que está sendo dito nem entende o que está sendo contado, mas se oferece para participar. Oferecimento aceito, passam a brincar já como velhos amigos sendo que agora um novo personagem entra na história em curso.
A partir de então, estar juntos passa a fazer parte de suas vidas e os encontros constantes entre si e com outros iguais os aproxima cada vez mais estreitando uma verdadeira ligação de almas. Que mágica une crianças e as aproxima sem regras, sem medos, sem questionamentos, sem cobranças e sem limites para sonhar? Que sintonia as conecta? Dia após dia se encontram para repetir brincadeiras lúdicas, porém nunca iguais apesar de parecerem aos olhos dos adultos.
O lúdico com base no seu significado “cria um universo próprio, fechado, onde operam as próprias regras, a própria lógica e está relacionado com a fantasia, com a criação e com o desenvolvimento das relações interpessoais”, passa a fazer parte da vida daquelas crianças através das brincadeiras e encenações de estórias, simples e ingênuas, limitadas ao universo infantil, mas que terá impacto significativo na formação dos adultos que estão por vir.
Para construção das estórias utilizavam os poucos materiais disponíveis ao alcance a exemplo de velas e revistas velhas com imagens borradas de pessoas, animais ou paisagens, as quais eram “fotografadas” com cera derretida de vela levando-os para viagens a lugares desconhecidos. Em outros momentos se valiam dos corriqueiros esconde-esconde por entre árvores ou nos vários cantos da casa e dos jogos de futebol utilizando bolas de meias, feitas por eles mesmos, utilizando folhas de jornal amassadas no formato de esferas e revestidas com meias velhas costuradas ou amarradas após vários envolvimentos das pelotas.
A convivência que lhes pareciam eterna vai perdendo força e, com o tempo, a vida vai se encarregando de ativar os desencontros. Qual a duração e quão fortes são os vínculos criados na infância que perdurarão pela vida a fora. Difícil saber, mas é impossível que não tenhamos todos nós, leitores ou não desse texto, vivenciado encontros de almas lá atrás. Infelizmente, esses vínculos tendem a se romper no caminho para a fase adulta nos levando a abandonar a capacidade de sonhar.