No ônibus

No ônibus, através da janela, fitava a impermanência. Sentado, tudo que via era mudança, mesmo quando o ônibus parava ainda estavam as coisas mudando. O ponto no qual embarcava era um dos primeiros que o transporte coletivo passava. Como descia no final, via o ônibus de todas as formas, cheio, vazio ou com uma quantidade média de pessoas. Não via a si de tantas maneiras, sendo o primeiro que embarcou em sua pessoa quando nasceu e que ainda permanecia no seu corpo vivo, ele por muito se via vazio, quando cheio era o cansaço.

Com um uniforme de alguma instituição, sentia-se, às vezes, acima de outros, pois no local o qual estudava tinha maiores qualificações e referência, de tal maneira se deixou influenciar. Usava fone, músicas altíssimas, ninguém da sua família lhe deu exemplos disso, mas quando criança ele havia escutado músicas, visto pessoas de fone na rua e em filmes, e criança é empolgada com o novo. Ele já não era mais empolgado com o novo, tudo pelo que já havia passado, o fez assim. O passado, que não mais existe, despejava nele cargas e mais cargas de seus traumas como num telão de cinema de seus atos passados.

Gostava de olhar para fora do ônibus, por isso não lia o livro que levava na bolsa. Ninguém nunca o incentivou a ler, por qual motivo ele gostava de ler? Algumas coisas estão em nós, reflexos do passado, as quais ele não entendia. Havia o fato de ser totalmente diferente de grande parte das pessoas do seu meio, para ele isso não fazia sentido. Ao se pôr atento para as mudanças dentro do ônibus, notou também questões interessantes. A impermanência do permanente, olhando para todas aquelas pessoas paradas, pensou no como nada daquilo era mais presente, o instante atual sempre se torna passado, mas o passado não existe, só em nós.

Quando acessamos o passado nas memórias, é um passado no presente, mas o presente é muito efêmero, então onde existia ele? Como se tornou o que era? Existia num presente que não é real, pois sempre acaba. Era reflexo do passado, que não existe mais e iria ser o futuro, que haveria de vir e não era só um. De repente o inquietou "cada coisa que faço deixa meu futuro mais visível, inclusive estar aqui estagnado".

O deixava ansioso saber que algo sem forma como o futuro, a cada instante ganhava forma e a cada ação se fazia mais real. Todo o seu passado deu origem ao seu futuro que era aquele momento, ele era toda essa mudança, formava o tempo e fazia parte dele. Enquanto isso, o céu nublado, o clima agradável de 5 horas da manhã, o ônibus engolia pessoas com pressa e as cuspia para o cansaço, pessoas de desempenho, produzindo, produzindo, produzindo, até que não podem mais.

Quantas histórias não existem ali? Todos se achando protagonistas de algo ou coadjuvantes seguindo um roteiro, indivíduos variados, pensou. Até mesmo protagonistas seguem roteiros. Sendo ele o tempo ou parte dele, não estava atento a si. Já escutou por aí que felicidade é quando não prestamos atenção no tempo. No entanto, seu sentimento era o de ser uma pedra erodindo, mudando, mudando, mudando, até que não pode mais.

Ele não estava prestando atenção no tempo, de tal maneira fazia tudo segundo demanda dos outros, não se conhecia, não sabia de si. Era reflexo de longas mudanças no tempo, reflexo dele mesmo, e se assim continuasse, seria como um rochedo sofrendo erosão até não ter mais nada para erodir.

No ônibus, palco de toda essa masturbação mental, viu, também, o tempo. Um lugar raramente parado, que consome as pessoas, que abriga pluralidade, que de suas janelas se percebe coisas que se foram, que estão e que virão, devido seu movimento. Em tudo estava o tempo como forma de não permanecer, sendo ele tempo, sendo transportado pelo tempo, esperando para descer num lugar no tempo. De tal modo ocorreu, pois ao ver o ponto no qual iria descer, levantou, puxou o mecanismo que avisa ao motorista que pessoas querem sair, logo depois desceu. Viu que o ponto estava igual a antes, parou de pensar nas bobagens que não rendem e se apressou.