Milton e a entrevista
Em 2023, na biblioteca, Milton se encontrava lendo livros com as mãos, aguardando uma visita previamente agendada. Após alguns minutos de espera, ouviu sua filha chamando por ele; era hora de ir para a entrevista. Milton dirigiu-se à sala, onde sentou ao lado da janela e aguardou a jornalista se acomodar na cadeira. Com uma voz suave e calma, ela começou a falar.
-Então, Milton, como meu tempo é curto, vou fazer apenas uma pergunta.
-Sem problemas.
-Você é um grande escritor, apresentou diversas obras para nossa sociedade, mesmo tendo nascido cego. Na sua opinião, qual seria o maior problema social?
Milton, após alguns minutos, vasculhou suas memórias e encontrou o problema que considerava primordial. Ele se lembrou de ouvir sua mãe falar sobre um ser que nunca erra e jamais poderia duvidar. No entanto, também recordou das conversas dela com suas amigas, em que usavam um livro para se defender da própria mudança social. Nesse momento, ele refletiu que, embora fosse cego dos olhos, alguns grupos eram cegos em suas mentes, como pedras, em vez de serem como a água que flui no grande rio da mudança.
Milton, então, ergueu a cabeça e encostou-se na cadeira, percebendo que havia pensado demais. Ele sabia que se expressasse o que estava pensando, seria exilado socialmente. No entanto, ele decidiu falar.
-Queria ter nascido surdo também, para ser apenas uma boia diante desse mar, passando despercebido, de tudo; eu seria puro.
A jornalista pareceu entender e, contente, encerrou a entrevista. Ela se levantou da cadeira e saiu com passos lentos, como se esperasse que ele dissesse algo mais. Finalmente, Milton ouviu a porta bater, e o som do carro ligando e se distanciando a cada instante, até chegar ao portão.
-Enfim, preciso parar de pensar tanto. É melhor eu me levantar da cama, minha filha estava me chamando.
Luiz Vinicius