Véspera de Natal
Em meu primeiro ano de trabalho no comércio, aconteceu um fato que me marcou para sempre.
No mês de dezembro trabalhava-se até as vinte e duas horas. Na última semana que antecedia ao Natal, abria-se a loja as sete da manhã e fechava-se as vinte e duas horas.
Logo cedo, colocava-se toda a mercadoria em seus devidos lugares. Após as nove, o movimento era uma loucura. Ninguém conseguia guardar nada. O bom era que ganhávamos hora extra após as dezessete horas. Os salários dobravam no mês de dezembro. Isso fazia com que todos trabalhassem com muita dedicação.
O Sr. Nunes, um comerciante ainda jovem, muito rigoroso, ganhara fama de mulherengo e brigão, mas, muito trabalhador. Dirigia seu negócio com pulso firme. Treinava seus funcionários com tal exigência que, se alguém era despedido, todos os outros comerciantes queriam contratar. Tinha duas pequenas lojas, mas o objetivo dele era ter um negócio maior, ali, na rua principal.
Naquele ano tinha realizado o velho sonho, a loja vendia tudo que colocasse nas prateleiras. Muitas vezes os contínuos iam às outras lojas apanhar mercadorias esgotadas na nova. O estoque era renovado freqüentemente.
Era quase meio dia, naquele sábado. A loja estava menos cheia. Entrou uma criança aparentado nove ou dez anos. Estava descalça, sem camisa, short sujo e rasgado, o nariz escorrendo e um saco de pipoca na mão. Olhou o manequim de um menino, na vitrine, vestido de roupa esportiva, calçando tênis e com uma bola na mão. Os contínuos ficaram atentos. O menino saiu. Passados alguns minutos voltou. Ficou ali olhando para o manequim. Um dos contínuos falou com a criança que se afastou.
Ao meio dia, foram baixadas as portas de ferro, para que os funcionários lanchassem e colocassem as mercadorias em ordem. Uma hora depois abriram. O movimento estava menor.
O menininho que estivera duas vezes pela manhã, olhando o manequim da vitrine apareceu. Ficou olhando da calçada. Aos poucos foi se aproximando. Já estava ao lado do manequim da vitrine, outra vez. O contínuo já se aproximava para retira-lo dali, quando o patrão se aproximou, pegou-o pelo braço e arrastou para os fundos da loja.
O quê faria com o menino aquele patrão tão rigoroso? Os funcionários ficaram aflitos. Confesso que fiquei assustada. Olhava constantemente para a porta. Perdi a paciência e resolvi que ia até lá. Antônia, uma das funcionárias mais antigas segurou-me pelo braço.
- É melhor você não interferi.
- Mas, o menino precisa de ajuda!
- Acho bom você esperar para ver.
A minha ansiedade falou mais alto. Empurrei a colega e entrei na sala do estoque. Não tinha ninguém. Meu coração disparou. Fui até o fundo do grande salão e nada. Voltei e falei meio apavorada.
- Ele sumiu com o menino!
Todos começaram a rir olhando para a porta dos fundos. Eu não sabia o que pensar. Ao me virar, vejo o Sr. Nunes com o menino pela mão, vestido igual ao manequim da vitrine, de banho tomado e com a bola na mão.
Soube depois, que era hábito do patrão fazer uma surpresa a uma criança, toda véspera de natal.
Rio de janeiro, 13 / 12 / 2005
Benedita Azevedo