O CAÇADOR DE PROMESSAS
Dissera-me que vinha destas regiões da Gabela, província do Kwanza Sul, onde fora um pequeno, mas bem sucedido, comerciante. Trabalhava como gerente numa das lojas de conveniência mais famosas da área, graças a sua privilegiada localização, junto a beira da estrada. Não havia camionista e viajante que não o conhecia naquelas paragens. Alias, como ele bem disse, a sua popularidade só era vencida pelo seu avô, Wuakola Kanhelenlã proprietário da tal famosa loja.
O rosto farto de carnes e um queixo redondo davam a seu rosto uma forma arredondada que lembrava mais uma grande melancia do Huambo. Possuía, ol igualmente olhos redondos e muito claros. Era possível distinguir-lhe a córnea da fina túnica do bulbo. O seu corpo longo e musculado, confirmaram-lhe uma estatura de invejar qualquer um. Nos ombros vinte e cinco anos de idade e na cabeça uma quarta classe feita as cambalhotas.
Eram treze horas de uma sexta-feira, quando desembarcara aqui em Benguela. Cheio de malas, casacos e outras imbambas suas.
- Este não vem do interior – deve ser duma província.
Rapidamente encostei a “limusina” , é assim que eu chamava a minha toyota corola, única recordação do dinheiro da minha pensão de reforma, agora também a única fonte de sustento para minha família.
Obrigado – Disse ele, com um ar tímido.
Ajudei-o a colocar as sus coisas no porta-bagagem e em seguida entramos no carro.
Então para onde vamos? – Perguntei
Ainda não sei – Respondeu ele, com muita hesitação.
Fiquei confuso com a resposta. Nos catorze anos de estrada nunca ninguém me respondera assim. O que só serviu para aumentar as minhas suspeitas.
- Este homem não mesmo daqui.
- Como assim, “ainda não sei”? – Instei-o novamente.
- Não sou daqui, sou da Gabela – respondeu, agora mais a vontade
Olhei-o fixamente e, de repente senti uma presença, que não era dele, mas que estava com ele. É verdade! Ele não parecia ser mais um passageiro, como estes que andam ai apressados em ganhar dinheiro. Era especial. Havia algo nele de especial. Cheguei mesmo a desejar que fosse ele o filho homem que nunca tive. Não sei se era a candura das suas palavras ou ainda a ingenuidade daquele rosto dócil. O certo é que ele não parecia apenas um passageiro, era um peregrino com uma missão e um desejo forte.
Dissera-me que estava de passagem. E não tinha um destino. Tinha vários lugares por onde passar com a sua gaita-de-beiços. Muito cedo perdeu a mãe, num ataque militar a aldeia da Chikuma, no interior da província de Benguela., isto nos anos oitenta. Não chegou a conhecer seu pai. Foi criado pelo tio, irmão mais velho do seu pai. Moisés sempre dedicou o mesmo carinho e atenção que dedicara a seus filhos biológicos. Nos primeiros anos da sua infância, nunca notara que Moisés não era seu pai de verdade. Anos mais tarde, depois das primeiras eleições gerais em Angola e, em consequência da guerra que se seguiu ao escrutínio, Moisés é morto por alegações partidárias. Aos treze anos foi enviado para viver com o avô na Gabela.
Em pouco tempo, aprendeu a arte do bem negociar. De que seu avô era um tradicional e reconhecido praticante. Demonstrou grandes habilidades no cálculo matemático. Como naquele tempo não haviam máquinas calculadoras, esta capacidade foi-lhe de grande valia. Seu avô, Wuakola Kanhelenlã – um ancião muanhã na casa dos setenta anos ainda conservava um físico de jovem, a coluna eréctil fazia confundir as camussumbes mais novas e possibilitava manter-se em pé durante horas por trás daquele balcão velho feito de madeira castanha que ele próprio mandara vir de calulu. Durante anos foi ajudante do avô , que não lhe ensinou apenas arte de negociar como o matriculou numa escola da baixa e ensinou-lhe a tocar gaita-de-beiços. Nos dias em que a clientela rema diminuta ambos tocavam gaita na porta da loja. de quando em vez chegava perto um camionista, um mecânico ou até mesmo um ajudante para os ouvir. Mas de resto a gente naquelas paragens não ligava muito a gaita-de-beiços. O negócio deles lá era outro. Era batuque. E dos fortes!
Sempre que chovesse o avô e o neto reuniam-se a volta de uma fogueira e intercalavam um sopro e um estória. Wuakola Kanhelenlã era um velho de fala fácil. Contava as lendas da sua tradição. Os mistérios da montanha da Chikuma, as maravilhas das correntes do rio catumbela, as desgraças provocadas pelo rio cuporolo, a astúcia das gazelas e artimanhas dos caçadores e a beleza dos eucaliptos do alto catumbela. Dentre estas estória, a que lhe marcara, sem dúvidas era o assobio dos eucaliptos no mês de Março. O avô dizia, que nesta época do ano os ventos usavam a boca dos céus e faziam as longas árvores de gaita-de-beiços. Não há em toda face da terra melodia mais harmónica que aquela. Até prometeu-lhe, um dia quando a paz chegar, mostra-lhe todos estes lugares de que ele só ouvira falar em estórias intercaladas com o sopro de velha gaita-de-beiços. Tão velha quanto do seu dono. Porém, o seu avô, mestre e companheiro falecera antes de poder concretizar as promessas feitas. A quatro de Abril de dois mil um o anúncio da paz em Angola, na sequência da assinatura do memorando de entendimento de Luena, a emoção foi tanta que o velho não aguentou. Os médicos disseram que a causa da morte foi um enfarte.
Lazaro decidiu vender a loja e todos outros bens matérias que herdara, excepto um e percorrer Angola inteira em busca da realização das promessas de seu avô. Consigo, leva sempre a gaita-de-beiços. Transformou-o num instrumento sagrado. Com ele não só faz lindas melodias como canta a vontade de vencer e alcançar o além. Hoje lazaro é um jovem caçador de promessas.
No fim de tudo perguntei: Tu mal conheces Angola, não tens medo de viajar sozinho?
E ele com a mesma candura das palavras e a ingenuidade do seu rosto, respondeu-me com uma e erudição que me assustaram:
“A coragem não é a ausência do medo. É a presença do medo e de um desejo de vencer”