LUVAS

22ago23

O velho sofá que nos últimos tempos testemunhava a constante presença da solidão, trazia em suas almofadas a silhueta do corpo que preguiçosamente teimava em mudar suas curvas deixando-lhe provas de que a lei da gravidade é uma das poucas que se faz cumprir de forma justa. Ao fundo um bla-bla-bla que não cativava os ouvidos pela massacrante repetição das narrativas vazias que por falta de cérebros só consegue destruir e errar, transmitidas por canais de televisão que se tornaram gordos, enrugados e decadentes.

Meu cérebro se perdia em pensamentos e lembranças daquelas que fizeram meu coração bater em descompassados ritmos “calientes”. Cada qual trazia em si um perfume único e inebriante que combinavam ou eram contrários aos seus jeitos que me faziam sentir os animais que se faziam presentes nos momentos das irracionalidades. Onças, tigresas, leoas, gatas mansas ou bravas, mas sempre felinamente presentes nos portes de gazelas ou potrancas, nos breves momentos eternos onde presença e ausência eram substituídos pela total inconsciência.

E neste passeio por lembranças do prazer extremo ouço um tocar de campainhas que não sabia se reais ou imaginárias. A contragosto e com uma força extrema para combater a preguiça dominante me levanto do cativante sofá e ainda acompanhado dos pensamentos, abro a porta e não acredito no que vejo. Uma linda mulher que apesar de madura tinha um olhar envolvente, uma pele que se via macia e aveludada em suas bochechas que ladeavam uma boca carnuda que parecia pedir “me beija”.

Disse ela ser corretora de imóveis e que tinha propostas tanto para captação quanto para compra. Sem ouvir o que dizia convidei-a a entrar e a assentar-se. Ela se pós no sofá e eu assentei na poltrona lateral. Suas roupas contrastavam com as cores do sofá fazendo com perfeição um “tom sur tom”. Este perfeito contraste também se via entre suas roupas e a cor de sua pele. Ao assentar-se cruzou as pernas elegantemente, porém com um toque de ingênua maldade provocativa. Suas pernas e braços estavam cobertos até a metade, o que provocava a imaginação. Aquele tom areia de suas roupas suficientemente justas para poder imaginar seu corpo.

Já não lhe ouvia a voz, o que via eram os movimentos dos lábios carnudos e tentadores. Os ombros cobertos pela metade, encimavam um decote por mim visto como uma luva a convidar o agasalhar das mãos.

Como um raio fulminante numa explosão cerebral me vem um flash de consciência racional, maldita, que me faz entender pelo papel que ela resgatava de minhas mãos em que vislumbrei minha assinatura.

Ela se levanta e me parabeniza pela aquisição que acabara de fazer de um “loft” em Lagoa Santa. E encaminhando-se para a porta de entrada, que infelizmente se tornara de saída, me diz que espera ser convidada a me visitar no “loft”.

Ainda nocauteado, pude me ouvir a dizer que disso ela podia ter a certeza.

Geraldo Cerqueira