OLHOS DE AÇÚCAR
As manhãs de Leticia eram cheias de alegria quando parava seu carro em frente daquele lugar. Deu o último gole em seu café e pegou uma caixinha cheia de esmaltes, lixa de unha e algodão. Hoje seria o seu dia de manicure, quando as velhinhas estariam todas felizes. Entrou no quarto de Elizabeth, e lá estava ela sentadinha envolta em seu xale cor-de-rosa. - Hoje quero a cor azul, Leticia. Como os jovens! – e deu uma risadinha marota. Leticia pegou naquelas mãos macias, pensando quantas carícias elas haviam feito nesses anos de sua vida, quantas lágrimas enxugadas de seu rosto. Caprichou na cor e deixou aquelas mãos alvas com mais vida.
Saindo do quarto, ouviu alguém chamá-la do fundo do corredor; ali estava Josefina em sua cadeira de rodas. - Posso cantar uma música para você? - perguntou. - Claro Josefina! – sorriu acariciando sua cabecinha branca. E com sua voz trêmula, comecou a cantar baixinho. O sonho dela era ter sido cantora. Fez mais algumas unhas e ouviu muitas histórias. Ao sair viu Julieta ao piano, tocando divinamente"Le Lac de Côme". Parou olhando para ela - Sabe, eu toco piano de ouvido - disse. Leticia abracou-a. Julieta havia sido professora de piano sua vida inteira, mas havia se esquecido.
Já caía a noite quando saiu daquele mundo de sonhos. Tantas pessoas viam tristezas naquele lugar, mas era preciso ter olhos de açúcar para fazer parte daquela vida tão doce! Ouviu alguém chamando seu nome. Olhou para trás e viu Elizabeth, que, da janela, soprava um beijo. Soprou outro devolvendo a caricia, e uma lágrima desceu em seu rosto, agradecida por toda aquela chuva de amor.