Um certo dia
O céu naquele dia carregado de nuvens escuras, comandava os relâmpagos e a trevoada de ventos com a chuva forte, que obrigava as pessoas secas ou molhadas, às pressas nas ruas, se desviarem dos buracos e bueiros abertos, a correrem com cuidado ou se esconderem preocupadas em chegar em suas residências. Enquanto por esses lados, de casas e gente muito humilde, via-se crianças sem brinquedos, criativisando a aventurar-se com barquinhos de papel nos corregos das valas ou nos camburões a céu aberto, abarrotados da farra dos imensos pingos; quando não estavam em baixo das bicas de água,
que vinham dos telhados, a gritarem descontrolados de alegria como periquitos nas árvores frutíferas. Por outro lado via-se portas e janelas privadas daquela maravilhosa orquestra na sua clássica versão.
O beco do Umarizal, naquela saudosa Belém, sob aquele exuberante temporal, sem ninguem imaginar , vivia uma contenda... dona mangueira, a ameixeira e as goiabeiras queriam ser árvores de porte maioral, pra abrigaram mais, toda a passarinhada do local. Como não sendo possível, passavam o dia desejando o mal e fofocando sobre o taperebazeiro, com as bananeiras no fundo do quintal. Até se arriscavam juntas a valsar no terreiro pra fazer inveja daquela festa, ao solitário e imenso taperebazeiro, que ficava do outro lado da cerca a frente das casas, na via principal.
Mas ele, velhaco, apesar de altaneiro, no seu impávido laconismo, apenas as fitava sem ser agressivo ou tomar pra si os gestos como ofensa moral.
Ao contrário daqueles que o julgavam, ele conversava, sereno com um sabiá, um dos tantos, que tinha ninho nos seus domínios. Dizia assim:
- oi meu amigo, que chuva gostosa, não acha?
E o sabiá, em sua agonia, por entender a injustiça que dia a dia, era nutrida no ambiente replicou:
- o senhor não enxerga aquilo?...Estão fazendo troça de sua solidão, aqui o senhor não tem muitas opções. Precisa urgente revidar. Um eu, não levaria desaforo pra casa.
Ele a se balançar, meio que quieto, sem ser desrespeitoso, rio-se bem simples do argumento do seu inquilino e explicou pausadamente com carinho:
- meu amigo sabiá, você ainda é muito jovem. Mas não há o que enxergar nas ações imperfeitas ou em qualquer mal, que faça ferir ou magoar . Vale lembrar, que a cura pro males, de que muitos não se dão conta. É mais, muito mais do que nós podemos revidar.
- Como assim? ... quis saber o pequeno sabiá.
E o taperebazeiro, em sua dança, de ida e vinda, com o vento e a chuva, como a se despedir, terminou de falar.
-Meu amigo, de tantas datas... o que mais se valoriza nessa vida? Sorrir ou chorar ?
O sabiá, em seu ninho, catando a cria, respondeu:
-Sorrir
E completando, disse aquela velha árvore:
- Ao logo de minha existência, aprendi, que se me permito ser magoado e pra compensar magou, não estou sendo sensato. Porque a cura pra qualquer mal, é fazer o bem, com o que se tem. É promover o amor, só assim se constrói ou transforma alguém.
E ele, após toda aquela chuva, como se a contemplar,
o oculto do tempo, atendendo aos malefícios desejosos dos invejosos foi sentenciado sob gritos pelos tantos moradores.
- Vamos derrubar essa árvore imensa, que traz o relâmpago pra perto de nossas crianças.
Horas depois, num vultoso silêncio, sob plateias, um documento de autorização da prefeitura, sob um som oco de terçado batendo , todo amarrado finalmente o taperebazeiro foi ao chão. Pássaros com os seus ninhos, se viram em dor e prantos, mas tiveram que partir em outra direção .
O sabiá, com a perda de seu amigo, seus vizinhos e dos seus filhos, naquele instante entendeu a duras penas, que só o amor consubstanciando a razão, perdoa e é, a única força capaz de mudar o mundo e trazer a salvação.