Outro Round

Eu gostava de me sentar na frente do computador e começar a escrever sem objetivo algum.

Muitas vezes fechava os olhos e começava a digitar como se estivesse numa briga de foice com um inimigo invisível.

Enfim. A sensação era boa, mas dificilmente esse tipo de coisa me levava a algum lugar interessante. Tinha batido 22h, e eu já estava meio bêbado. Pleno sábado. Boletos pagos. Roupas lavadas e secas, mas a tela seguia em branco me encarando.

Eu estava em casa e não tinha nenhuma vontade de botar o pé na rua, ainda mais com toda a chuva que caía.

Dez músicas e duas latas de cerveja depois, me veio uma vontade horrível de estar com alguém... Não exatamente para ter companhia, mas talvez apenas pra poder enfiar minha solidão em algum buraco quente.

23h. O telefone toca uma, duas, três vezes.

Na quarta eu atendo.

Ouço uma voz engrolada do outro lado.

- O que foi? – Pergunto.

- Você está em casa? – Uma voz feminina respondeu.

- Nesse momento sim.

- Vai sair?

- Não tenho nada planejado.

- Posso passar aí?

- Claro.

Ela desligou.

Meia hora depois apareceu na minha porta. Molhada como um passarinho abandonado na chuva. Eu abri. Ela entrou e foi direto para o quarto sem dizer nada.

Ela caminhava como se tivesse perdida dentro de um sonho.

- Estava bebendo sozinho? – Ela perguntou quando a alcancei.

- Sim.

- Pensei que você não gostasse?

- De beber?

- Não. Da solidão.

- Gosto e não gosto. Depende do dia.

- Eu sempre imagino você com alguém aqui, mas esse alguém nunca sou eu. – Ela falou, enquanto passeava pelos cantos do quarto.

- Você está aqui agora.

- Mas essas ocasiões nunca ficam na minha cabeça.

- Você devia beber menos antes de vir aqui.

- Não é isso.

- E o que é?

- É que geralmente o que acontece é tão intenso que eu não tenho tempo de guardar na memória.

- Comigo não é bem assim.

- Você pensa em mim quando está com outras mulheres?

- Já aconteceu.

- E como é a sensação?

Me sentei sobre a cama e tirei a camisa. Enxuguei o suor do rosto e larguei o pano de lado.

- É como quando você pede um suco de acerola e vem suco de pitanga. O gosto não é o mesmo, mas eu tomo sem reclamar.

Ela ficou me encarando, tentando fazer sentido do que eu tinha dito. Depois caiu na risada.

- No caso eu sou o suco de acerola ou o de pitanga? – Perguntou com um sorriso no rosto.

Me levantei da cama e a enlacei pela cintura. Nossos olhares travaram um no outro por alguns instantes. Eu senti o frio da água em seus cabelos pingando sobre o meu rosto quando nos beijamos.

Ela era quente. Sempre foi. Até quando tudo estava morno entre nós dois.

Ela caiu sobre a cama e tudo começou como de costume. Mas fui um pouco mais longe dessa vez. Preso entre as pernas dela, empurrei cada vez com mais força até que lágrimas começassem a escorrer dos seus olhos.

Tentei parar, mas ela gritou quase sem fôlego.

- NÃO.... Continua, continua!

Retornei ao combate. O tesão contra o meu amor próprio. Eles trocavam golpes e o tesão ia vencendo largamente.

O nocaute veio logo e ela cravou as unhas nas minhas costas como se comemorasse o último golpe.

Caí de lado na cama e ela ficou com os olhos cravados no teto. A maquiagem borrada, o sorriso, a respiração pesada. Tudo nela era contradição.

- Essa foi a melhor de todas. – Ela murmurou quando me sentei na cama.

- Pensei que você não lembrasse das outras.

- De certas coisas eu lembro muito bem.

- Achei que nunca mais ia acontecer.

- Em algum ponto também pensei nisso. Principalmente pelas coisas que você escreve. Mas não importa o que aconteça, sempre terminamos no mesmo lugar.

- É o que parece.

Ela se levantou e caminhou até o banheiro.

Quando ela fechou a porta, a chuva começou a cair mais intensamente do que antes.

Olhei para o lado de fora e observei a chuva lavando a rua.

Eu ainda me sentia só, mas estranhamento satisfeito.

Olhei para o computador ligado. E as palavras começaram a se materializar na minha cabeça. Eu estava pronto. Senti que podia sentar na cadeira e escrever por horas a fio.

Mas não agora.

Ela saiu do banheiro e me olhou.

Nua em pelo.

Vitoriosa.

Pronta para mais um round.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 11/08/2023
Código do texto: T7859271
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