A casa no final da rua
Minha tia Aimée morava numa casa verde no final da rua. E, o pior era uma rua sem saída. Confesso que esse detalhe me fazia ter certa claustrofobia. Havia um silêncio platônico na casa de minha tia. Aimée é um nome que significa "a amada", é o particípio passado do verbo aimer, que quer dizer "amar". Era professora de literatura francesa e de francês. Tinha ido várias vezes à França, sendo uma franca entusiasta pela cultura francesa. Intimamente, achava que seu excessivo europeísmo era um tanto pedante. Essa tia era a caçula numa prole de cinco mulheres e cinco homens. Ou seja, minha bisavó tivera dez filhos. Ufa... todos de parto normal e em casa, como era comum naquela época... Gostava de tia Aimée, ela se esforçava para me ensinar etiqueta, bons modos à mesa e em situações embaraçosas. Foi essa tia que me ensinara que não devemos reprimir, nem ser cruel com quem chora diante de nós. Eu, intimamente, revelava que queria sair correndo dos prantos alheios... Mas, revelava que não era civilizado. Era uma pessoa adorável e resumia os romances franceses em pequenas frases... Lembro-me com saudade, uma frase de Albert Camus: "Vou-lhe contar um grande segredo, meu caro. Não espere o juízo final. Ele realiza-se todos os dias". Outra frase inesquecível era de Honoré de Balzac: "O instinto na mulher, equivale a perspicácia nos grandes homens". Essa tia era solteirona, decepcionara ainda muito jovem com um noivo de uma família francesa... A família dele era abastada, já a minha família era humilde apesar de que todos tinham muita educação e cultura... De certa feita, o noivo decretara que se casasse com minha tia, ela teria que abandonar e esquecer sua família e sua origem pobre. Aimeé se ofendeu e rompeu o noivado. Novamente, outra frase de Balzac é salutar: "Nas crises, o coração parte-se ou endurece". Enfim, minha tia endurecera, passou levar uma vida dedicada ao magistério e a sua coleção de porcelana e, ainda, para as aulas de francês. La beauté est dans les yeux de celui qui regarde (A beleza está nos olhos de quem vê). Eu que era uma rebelde sem causa, respondia: - ora, então essa beleza é inventável...Quando minha tia faleceu, fiquei encarregada de reunir suas coisas e, empacotá-las... Cada coisa continha um pouco de sua personalidade. Era uma pessoa brilhante e sofrida, mas tinha uma alegria intrínseca. Guardei de lembrança uma miniatura da torre Eiffel. E, meu amor à literatura francesa. Non, je ne regrette rien. Não me arrependo de nada.