Desencontro - BVIW
Planejaram a fuga juntos. Ambos infelizes em seus casamentos. Primos distantes, moravam em cidades distintas. O amor nascera da troca de cartas, uma correspondência na qual nenhum dos cônjuges viu malícia, porque, afinal, eram parentes, e família é família. O encontro se deu no enterro da avó, os dois já casados. Ela, sem filhos. Ele com um garoto a caminho. No pouco tempo de conversa sob as coroas de crisântemos e o barulho de fundo das lamentações pela morta, foi como se nunca tivessem feito outra coisa, as palavras fluindo aos sussurros, as mãos dele procurando as dela como forma de consolo. E o tédio do casamento aproximou-os. Numa época sem e-mail e whatsapp, trocaram poemas e flores secas e juras como só acontecia com os amores epistolares da era pré virtual. Na última carta, veio o bilhete. Que estivesse na estação à tantas horas. Ele estaria à espera. Viveriam enfim a paz do amor recíproco. Ela fez as malas sem nenhum remorso. O envelope com as devidas explicações sobre a mesa da sala, onde o marido certamente notaria. O táxi a deixou atrasada na plataforma. Correu aflita, arrastando a mala atrás de si, o apito do trem tão estridente. Quando procurou o bilhete dentro da bolsa uma, duas, várias vezes, nada, nada encontrou. Ficou olhando a locomotiva se afastar entorpecida e sem lágrimas. Só uma agonia latejante pelo que estava por vir.