O CÃO

Ele lembrava de quando chegou ao mundo e se viu entre tantos outros disputando as tetas da mãe que o lambia com carinho.

A lembrança da sua mãe passando a língua para limpá-lo, lhe dando aconchego, carinho e segurança, foi algo que nunca saiu das suas memórias. E ele sentia muita falta.

Já maiorzinho, ele foi entregue a um casal que lhe deu casa, comida e um cantinho para dormir. Todos os dias, abriam a porta para ele passear, ele dava um giro pelas proximidades, fazia as suas necessidades e retornava feliz para o seu lar.

Mas, o casal começou a se desentender, e cada vez menos lhe davam importância. Já não lembravam de alimentá-lo direito, já não demonstravam nenhum carinho por ele, e aquilo foi fazendo o seu peito apertar. Ele pedia tão pouco, e eles só lhe ignoravam.

Um dia, a mulher foi embora, pegou as coisas e saiu batendo a porta. O cão ficou ainda mais triste, pois não estava entendendo nada. Ele esperou por dias, mas, ela não retornou.

E agora, o que seria dele. O homem, continuou a lhe dar ração, às vezes, ou comida. Mas, havia dias que ele não recebia nada para comer. Procurava pelas ruas por restos de alimento e água. A tristeza invadia ainda mais o seu semblante. O medo do futuro, só aumentava a cada dia, pois o homem parecia disperso, às vezes nem sabia de sua existência.

O cão notou que a cada dia que se passava, o homem bebia mais e mais quando chegava em casa do trabalho.

De repente, o homem já passava as noites no sofá da sala, pois ficava tão embriagado que adormecia em sua baba e suor.

O cão tentava se aproximar, mostrar a sua amizade e compaixão. Queria dizer que o homem não estava sozinho, que poderia contar com ele.

No entanto, no lugar de carinho, o homem alcoolizado começou a lhe bater. E esses espancamentos foram se agravando a cada dia, o cão já não suportava.

Quando o homem saia, o cão se encolhia no canto e deixava as lágrimas descerem, a tristeza tomava conta do seu ser. Afinal, ele só tentou ser amigo daquele homem, mas, em troca, só recebia maus-tratos.

Quando o homem chegava do trabalho no final da tarde, o cão se escondia para ele não lhe agredir. Porém, logo o homem lhe encontrava, e começava a lhe bater com o cabo da vassoura, desabafar no animal, todas as angústias e fracassos dele.

Os vizinhos dos outros apartamentos, ouviam os gritos do animal, olhavam para o desespero do animal, mas, ninguém fazia nada. Nem uma alma bondosa surgiu para ajudar aquele pobre cachorro.

O tempo passava, e o cão definhava de fome e maus-tratos. A tristeza era tanta, que certa vez, já no auge do seu desespero, quando em um final de tarde, ouviu o homem bater a porta ao chegar, e chamar por ele, o cão já não suportando mais tanto sofrimento, se jogou da janela do terceiro andar do prédio.

O homem olhou de cima o cão caído, e só ignorou e voltou para dentro do seu apartamento.

As pessoas se juntavam ao redor e olhavam para aquele pobre cão, estatelado no chão, com sangue ao redor, e ainda dando sinais de vida. Mas, ninguém fazia nada.

De repente, um dos vizinhos se aproxima. Ele olha o animal no chão, toca nele, e sente a sua agonia. Apesar de não ter nenhum apego aos animais, aquele homem frio, sério e aparentemente sem sentimentos, pegou o cão nos braços, levou até o seu carro, colocou na traseira, e o levou para um hospital veterinário.

O cão inebriado de tanta dor e tristeza, pela primeira vez, viu alguém tentando ajudá-lo, e um fio de esperança voltou a surgir em seu peito.

O cão foi levado para a emergência, pois estava muito mal e precisava de uma cirurgia com urgência. O seu desconhecido salvador, informou no hospital que arcaria com todas as despesas. E assim, o salvador, sentou-se em uma cadeira plástica no corredor do hospital, enquanto o animal era tratado, e esperou com paciência.

Muitas horas se passaram, até que o veterinário apareceu no corredor, e disse que já haviam operado o cão, e agora, era aguardar para ver se ele se recuperava.

O salvador balançou a cabeça e foi embora.

No outro dia, o salvador retornou e o cão já havia despertado, e quando viu o seu salvador chegar, o seu semblante se encheu de gratidão. Apesar de não saber falar, os seus olhos se encheram de lágrimas, e ele sorria por dentro.

Por dias seguidos, o salvador veio lhe visitar. Se aproximava e começou a lhe fazer carinho na cabeça e lhe dar palavras de confiança que ele iria melhorar e logo estaria de volta ao mundo lá fora.

Apesar de gostar das visitas diárias do seu salvador, volta para aquele mundo lá fora, lhe dava muito medo, pois havia sofrido demais, e não queria aquela vida de novo. Quando o salvador ia embora, o cão se enchia de tristeza e sofria.

Alguns dias depois, o veterinário disse que o cão estava liberado, e o seu salvador logo chegou. O cão se aproximou dele e o lambeu em agradecimento. E quando enfim, soube que já poderia ir embora do hospital, a tristeza lhe invadiu de forma abrupta e ele chorou.

O salvador o colocou na traseira do automóvel e o levou, e quando enfim chegaram, o cão notou que havia voltado para o mesmo condomínio de tantos anos de sofrimento, e o seu coração apertou demais. Ele teve vontade de pular e sair correndo sem nunca mais parar.

Foi então, que o seu salvador o pegou e o chamou para ir com ele para o seu apartamento. E falou:

- A partir de hoje, você vai morar aqui, e ninguém vai mais lhe machucar.

O cão o seguiu feliz, arranjou um cantinho para se ajeitar no seu novo lar, e a vida novamente, lhe encheu de esperanças.

Desde então, ele passou a viver ali. Tinha a companhia de seu salvador, que não era a pessoa mais carinhosa do mundo, mas, não deixava lhe faltar comida, água e nem um lugarzinho para descansar.

Sempre que precisava fazer as suas necessidades, o cão se dirigia a porta, saia sozinho, ia na praça e logo retornava.

Não era um relacionamento cheio de amor e carinho, mas, o cão era grato por finalmente ter uma vida tranquila e ninguém para lhe maltratar.

E de acordo com o seu salvador, o cão iria para onde ele fosse.

As marcas da maldade humana ficaram a vista no cão, muitas cicatrizes, e ele já não era tão ágil e forte como no passado. Mas, tinha enfim, um lar.

Noélia Alves Nobre
Enviado por Noélia Alves Nobre em 01/08/2023
Código do texto: T7850789
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