O Carro da Rua de Trás

Em um bairro calmo e sombreado, havia uma rua esquecida pelo tempo, onde o relógio parecia descompassado. Ali, todos os dias, um homem solitário, chamado Eduardo, cruzava o caminho do mesmo carro abandonado, imerso no esquecimento e na depreciação.

Eduardo era um sonhador inveterado, que encontrava nas pequenas coisas do cotidiano um universo de mistérios e reflexões. O carro da rua de trás era sua fonte de intriga diária. Ele imaginava sua história, como teria sido conduzido, e se um dia já brilhara como uma estrela nos asfaltos.

As estações passavam, e o carro permanecia imóvel, como se aderisse ao solo em que repousava. As ervas daninhas cresceram ao seu redor, envolvendo-o como um abraço solitário. Eduardo sentia pena daquele veículo, que um dia fora o símbolo da liberdade, agora relegado ao abandono.

Ninguém mais parecia notar o carro, como se ele tivesse se tornado invisível aos olhos de todos. Crianças brincavam sem lhe lançar um olhar, e os adultos, envolvidos em suas tarefas cotidianas, seguiam apressados, indiferentes ao veículo que envelhecia silenciosamente.

Mas Eduardo era diferente. Ele sentia uma conexão inexplicável com aquele carro. Em cada passagem pela rua, seu olhar se demorava naquele objeto desgastado. Em meio à desolação, ele via a poesia da decadência e o simbolismo oculto em suas ferrugens.

Certo dia, tomado por uma ousadia poética, Eduardo aproximou-se do veículo, como se fosse um explorador adentrando um mundo abandonado. Suas mãos tocaram a lataria enferrujada, e ele sentiu uma espécie de palpitar oculto, como se o carro reagisse ao seu toque, revelando histórias sussurradas pelo vento.

Naquele instante de sintonia, as lembranças se entrelaçaram com a realidade, e Eduardo viu o carro em sua glória passada, sob um céu de azul intenso, cruzando as estradas em deslumbrante majestade. O riso das crianças ecoou como sinfonias, e a música da vida pulsava em plena harmonia.

Mas a visão se dissipou rapidamente, e o presente se impôs novamente, levando consigo a melodia das recordações. Eduardo compreendeu que o carro da rua de trás estava fadado à solidão e à decadência, como um retrato da própria vida humana, onde sonhos podem se enferrujar com o tempo.

Com um olhar carregado de saudade e reflexão, Eduardo despediu-se do carro e seguiu seu caminho. No entanto, a lembrança daquele objeto desgastado o acompanhou como um poema triste em seu coração, despertando-lhe a compaixão pelos seres esquecidos e a consciência sobre a efemeridade da existência.

E assim, o carro da rua de trás permaneceu imóvel e abandonado, mas, para Eduardo, ele se tornou um símbolo da beleza nas pequenas coisas, uma ode à impermanência da vida e um chamado para que não deixemos nossos sonhos e sentimentos enferrujarem na solidão do tempo.

Bernardo Reis
Enviado por Bernardo Reis em 31/07/2023
Código do texto: T7850181
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