Todos os dias ele vem me visitar
Vivian arregala os olhos azuis quando vê o pequeno Vitor, de seis anos, com o uniforme sujo da escola. A calça suja nos joelhos e a camiseta branca com grandes manchas de mãozinhas de terra.
- Não acredito! – Ela pensou. – Ainda bem que inventaram sabão em pó.
Um abraço apertado, um beijo molhado no rosto; o filho subindo no colo e descansando a cabeça no ombro da mãe. A mochila não pesa tanto, é até fácil de carregar, difícil é ter de carregar o filho que apesar do pouco peso pela idade parece ter mais de uma tonelada.
Vivian chega à casa, abre o portão, coloca o filho caçula no chão, esse que corre em direção a porta escancarada da residência.
- Guilherme! – Ela grita.
De fones no ouvido, Guilherme não escuta, ou finge não ouvir para irritar a mãe. O menino está no quarto sentado em frente ao computador. Quando a mãe surge na porta ele disfarça, mas ela em sua experiência de mãe, não aceita e prontamente tira os fones do ouvido do filho e com um movimento rápido desliga o computador, o que deixa Guilherme visivelmente insatisfeito.
- Mãe! – Diz ele numa voz manhosa, quase de choro.
O quarto bagunçado, a cama por fazer. Roupas jogadas pelo chão, os tênis espalhados pelo assoalho de madeira e a mochila abandonada num canto qualquer, com os cadernos expostos, com folhas amassadas e com orelhas nas páginas dos livros.
- Arruma isso agora, Guilherme. – Vivian ordena.
Guilherme olha para a situação do quarto e olha novamente para a mãe, essa que de braço cruzado e cara séria não se importa com a cara de coitado do filho mais velho.
- Depois eu arrumo. – Ele diz.
- Depois, não! Vou dar banho no seu irmão. Quando voltar quero tudo isso em ordem, entendeu?
O menino não responde, e Vivian é mais incisiva.
- Entendeu?
- Sim. – Diz o menino.
Vivian sai do quarto e vai para o banheiro. Vitor de seis anos está sentado no vaso fazendo suas necessidades. Quando a mãe finalmente entra ele sai do vaso, se equilibra nos pezinhos pequeninos e consegue dar a descarga, lava as mãos na pia e começa a tirar o uniforme do colégio, tudo isso sendo observado de perto pela mãe.
Vitor adora um colo de mãe, mas não deixa que ela lhe dê banho. O menino fica vermelho de vergonha toda vez que a mãe quer auxiliá-lo na hora de lavar-se. De banho tomado e de roupa trocada, Vitor vai para a frente da televisão. Vivian coloca no desenho favorito dele, e Vitor diverte-se a cada fala das personagens e ri alto a cada atrapalhada do urso amarelo de olhos esverdeados.
Guilherme de quatorze anos ainda não arrumou seu quarto. Vivian vai até lá e vê que a bagunça ainda permanece intacta.
- Ainda não arrumou isso, Guilherme?
Guilherme pouco se importa com a fala da mãe. Desde que o pai, falecido num acidente automobilístico, foi embora, o jovem mudou e muito. Ele tornou-se uma criança introspectiva, fala pouco, ia para a escola, mas pouco estudava.
O irmão mais novo não chegou a conhecer o pai, pois ele ainda estava na barriga da mãe quando a moto do pai colidiu-se contra um ônibus no caminho de volta para casa.
Foi um duro golpe para ele, com sete anos de idade perder o pai de maneira tão trágica. Vivian teve que fazer das tripas coração para conseguir criar sozinha os dois filhos e ela conseguiu. Graças a seus dotes culinários começou fazendo bolos e salgados por encomenda. Com o passar do tempo as encomendas foram aumentando e isso a fez ter mais tranquilidade.
Mas enquanto a mãe e o irmão viviam dias felizes, o mais velho vivia a sombra do pai que todas as noites vinha visitá-lo. E eram visitas caladas, sem um dizer nada para o outro. Quando o espírito do pai veio lhe visitar pela primeira vez foi uma mistura de sensações, o menino não sabia se chorava, sorria, ou ficava com medo da figura imperfeita do seu genitor.
Guilherme tinha medo de relatar a mãe as aparições constantes do pai.
- Ela vai pensar que eu sou maluco e vai querer me internar num hospital de loucos. – Imaginava ele.
Mas não! A mãe de coração grandioso jamais faria isso com ele. Guilherme aos poucos começou a arrumar o quarto. Vagarosamente foi botando cada item em seu devido lugar. Esticou os lençóis na cama, ajeitou o caderno e os livros dentro da mochila e posicionou a mesma nos pés da cama.
Vivian adentrou ao quarto do filho mais velho, fez sua inspeção e com um sorriso de aprovação, elogiou o serviço feito pelo filho.
- Mãe! Posso conversar com a senhora?
- Claro meu filho!
Guilherme pegou na mão da mãe e os dois sentaram-se na beirada da cama.
- Promete que não vai me internar em um hospital de loucos, mãe?
- Hum? Mas como assim? – Vivian questiona olhando diretamente para o filho e o segurando levemente pelos ombros.
O menino respira profundamente. Dá para ouvir de fundo o som da televisão ligada, dá para ouvir o barulho do coração de Guilherme bater acelerado.
- Eu vejo meu pai todos os dias! Ele vem me visitar todas as noites, mãe. Ele não diz nada, só fica me olhando. – Diz o menino com lágrimas nos olhos.
Vivian abraça forte o filho mais velho.
- Eu também o vejo as vezes. – Diz ela, também chorando.
Os dois abraçados num só laço. Mãe confortando o filho, o filho consolando a mãe. Vitor estranha o silêncio e vai até ao quarto do irmão mais velho e vê a mãe o irmão abraçado.
- Eu também quero abraço! – Pede o menino.
- Vem aqui, meu amor!
E Vivian enlaça Vitor e Guilherme.
- Que tal sairmos, dar uma volta e chupar um sorvete? Quem topa levanta a mão!
Os filhos erguem os braços, o caçula com mais entusiasmo.
Vitor de cara lambuzada, Guilherme saboreando um milkshake e Vivian segurando uma casquinha enquanto pensa na vida.
- Obrigado senhor por mais um dia!!!
FIM....