Café dos poetas
Circulava, distraída, a colherzinha, que tocava a xícara em notas afinadas com a canção de fundo. Aspirou o aroma da música e começou a cantarolar. Um sopro de qualquer um da mesa lhe indagou o porquê do canto e se estava alegre. Respondeu Cecília:
"Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste: sou poeta."
A resposta chamou a atenção de Vinícius. Ele parou de dedilhar, bateu o cigarro para cair as cinzas e suspendeu o tempo. Mergulhou os olhos na profundeza do oceano e acrescentou aos versos de Cecília algo como declaração de amor à vida:
“E a coisa mais divina que há no mundo é viver cada segundo como nunca mais…”
Manoel, tão acostumado às pequenezas pantaneiras, ouviu na divindade da poesia de Vinícius a grandeza da desimportância. Ele terminou de mastigar um doce, presenteado a todos por Cora, e, a seu modo, também saudou a vida:
“As coisas que não levam a nada têm grande importância”.
Mário, que olhava as horas, sentiu certo constrangimento. As palavras desocupadas de Manoel e a correria das pessoas que se agitavam do lado de fora do café fizeram Mário ver na vida um inútil dever, que precisa ser dispensado enquanto há tempo. O poeta assim refletiu:
“A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa. Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…” - principiou. E depois de alguns versos sobre a efemeridade, concluiu: “E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade, eu nem olhava o relógio. Seguia sempre em frente… E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas”.
A poesia deu as mãos à filosofia e os poetas começaram a conversar sobre a existência, sobre o mundo. Mas poetas são poetas. Não são filósofos. Carlos comentou, então, que o mundo é, de fato, vasto, mas não tanto quanto o coração. Com a mão segurando o queixo, na distração do doce de Cora adoçando o momento, ele olhou ao nada e declamou:
“Mundo, mundo, vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não seria uma solução. Mundo, mundo, vasto mundo, mais vasto é meu coração”.
Para Manoel, o mundo também era vasto, da enormidade de um quintal, esse lugar fantástico, onde a pedra jaz no chão e beija borboletas e lagartos. E, dando voz a uma pedra, o poeta das coisas simples, recitou:
“Eu tenho gosto de jazer no chão. Só privo com lagarto e borboletas”.
A palavra “pedra” inspirou Carlos, que começou a riscar, ligeiro, um guardanapo. Terminados os versos, ele leu aos amigos:
“No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho. Tinha uma pedra. No meio do caminho tinha uma pedra.”
Cora sorriu para Carlos - linda imagem de rugas dançando o tempo. Segurou, com carinho, no braço do amigo e lhe falou com a calma da idade:
“Não te deixes destruir… ajuntando novas pedras e construindo novos poemas. Recria tua vida, sempre, sempre. Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça”.